Camila Domingos dos Anjos

 

OS JESUÍTAS E A DOUTRINAÇÃO DOS PUERIS NO COLÉGIO DE SÃO PAULO: UMA REFLEXÃO SOBRE OS MENINOS NATIVOS COMO INTÉRPRETES E MEDIADORES CULTURAIS EM GOA (1548-1599)


Em Goa, constantemente os pueris foram associados às iniciativas de conversão, ora como aqueles que necessitavam ser convertidos e educados, ora como um meio necessário para alcançar outras conversões. Os jesuítas compartilharam a expectativa de que os meninos convertidos e instruídos poderiam “resultar em muitos frutos” no desempenho de tarefas multifuncionais que poderiam auxiliar na expansão do catolicismo no Oriente. Nesta comunicação iremos analisar como em Goa os inacianos não apenas acreditaram, como investiram nesta possibilidade. Buscaremos identificar nas cartas jesuíticas reunidas na Documenta Indica como os jesuítas se serviram dos meninos nativos para a função de intérprete, uma das principais necessidades das missões no Oriente.

Representada por Francisco Xavier, a Companhia de Jesus chegou a Goa em 1542. Conquistada em 1510, Goa foi sede do Padroado Português do Oriente e capital do Estado da Índia, onde se instituíram as principais instituições civis e eclesiásticas (THOMAZ, 1994). Em Goa, os jesuítas assumiram a administração do Seminário de Santa Fé e em 1548 somaram a este instituto o Colégio de São Paulo, espaço dedicado à formação dos jesuítas e a doutrinação dos pueris nativos, meninos entre sete e quatorze anos de idade.

No Estado da Índia os jesuítas enfrentaram um trabalho que mirava o saber para conseguir brechas em sociedades complexas. Este exercício passava pela construção de uma relação didática, de ensino e afirmação de superioridade, inclusive do próprio saber (AGNOLIN, 2009). Com efeito, os jesuítas investiram na conversão e instrução dos pueris, ao qual recorrentemente representaram nas cartas como dóceis, interessados, maleáveis e inocentes, como se estivessem pré-dispostos a se converterem ao catolicismo. As representações jesuíticas sobre os meninos eram similares às considerações humanistas. 

No período moderno a atenção à idade da puerícia ganhou ênfase principalmente com os humanistas e iluministas, que preocupados com a polidez do comportamento do homem atentaram-se para a idade da puerícia como a mais propícia para o aprendizado. Os humanistas insistiram na força das letras a possibilidade de conter os impulsos e instintos. Nesse sentido, o indivíduo era resultado de uma modelagem. Erasmo, por exemplo, destacou que a natureza dava aos pais uma massa informe, que deveria ser moldada. O humanista defendia que a imagem do homem estaria em potência na criança, esta que possuía maleabilidade para o aprendizado. A massa, portanto deveria ser manuseada enquanto mole, assim como se modela a argila enquanto úmida. O que Erasmo postulava em suas comparações era que o adulto não possuía a mesma receptividade e disposição de espírito que as crianças possuíam. Erasmo, assim como os demais humanistas, escrevia obviamente pensando o menino nobre (BOTO, 2017).

Influenciados por essas concepções, os jesuítas ponderaram que ao contrário da população adulta neófita, descrita como fraca e inconstante na fé, os meninos eram concebidos como diligentes e constantes e serviriam a Companhia de Jesus motivados pela devoção, por incentivo, vocação e compaixão ao próximo. O interesse pela doutrina e formação das populações menores nativas constituiu uma das pautas das cartas de Inácio de Loyola. Ao escrever recomendações ao patriarca da Etiópia João Nunes Barreto, Loyola destacou a importância de se criar colégios para a conversão dos nativos, a começar por crianças e jovens: “Isto seria a salvação para aquele povo. Porque, quando estes crescerem, ficariam afeiçoados ao que tiverem aprendido no início e no qual pareceriam superar aos seus maiores. Desse modo, em breve, cairiam e se extinguiriam seus antigos erros e abusos”. Loyola acreditava que a instrução dos mais jovens poderia erradicar os erros das sociedades. Dessa forma, missão e instrução aparentavam ser indissociáveis (CARDOSO, 1993, p.115). Tais repercussões também repercutiram no Estado da Índia, onde os jesuítas enfatizaram a necessidade de se criar colégios para a instrução da população conversa e redução da “gentilidade”.

Conforme Boto, os colégios eram instituições religiosas que interagiam com os interesses culturais e constituíam uma estratégia privilegiada de formação das almas (BOTO, 2017). Em Goa os inacianos assumiram a administração do Seminário de Santa Fé e fundaram o Colégio de São Paulo. Estas instituições foram de suma importância para a conversão e amparo dos nativos. Em 1541 o Statuta Confraternitates Fidei postulou a necessidade de sacerdotes para a doutrina dos nativos, esses que também deveriam ser naturais da terra, pela praticidade de poderem pregar na língua vernácula. Nesse sentido, deveriam ser recolhidos meninos de diversas “nações” (WICK, vol.I, doc.2).

Destacamos a relevância que esses espaços adquiriram na instrução dos nativos entre sete e quatorze anos de idade em um projeto amplo e multifuncional que buscava incorporá-los a expansão do catolicismo no Oriente. A proposta era moldar os meninos, robustecer as identidades e inscrever em seus corações e em sua consciência os princípios regidos pelo catolicismo através da instrução e de uma rotina organizada. Os meninos serviriam a Companhia de Jesus como intérpretes, canacápoles, auxiliares nas missas e nos ofícios necessários. Os mais destros poderiam, conforme a expectativa dos padres, serem admitidos na Companhia de Jesus. Na prática, esta expectativa foi embargada por hierarquias de carreira impostas pelos inacianos (TAVARES, 2002).

Há de se ressaltar que os colégios no modelo católico jesuítico transfigurariam o modelo universitário parisiense em que se vivia sob internato e em rígido enquadramento disciplinar quanto a moral e a conduta (BOTO, 2017). Enquanto no Colégio de São Paulo de Goa os jesuítas planejavam-se para fornecer cursos de humanidades, artes e teologia, no Seminário os meninos aprendiam a ler, escrever e contar, bem como a doutrina cristã. Os meninos da primeira instância, que fossem considerados engenhosos, poderiam passar para a segunda instância. Segundo Borges, o Seminário de Santa Fé e o Colégio de São Paulo eram em sua essência instituições de educação, considerando “educação” como algo amplo, isto é, toda forma de ensino e formação. Nesse sentido, a evangelização, a catequese e o aportuguesamento foram considerados pelo autor atividades de educação (BORGES, 2018).

A questão da comunicação configurou-se como fundamental para qualquer atividade, inclusive as missões. A expansão portuguesa contou com o uso de intérpretes para o desempenho de atividades nas possessões ultramarinas. A princípio, os intérpretes utilizados eram provenientes de capturas e escravização de nativos na África. Segundo Coates, o emprego de criminosos sob a forma jurídica de degredo também foi utilizado para este fim, além do controle social. Em Portugal, os degredados foram utilizados para o aprendizado de idiomas para posteriormente suprir a necessidade de intérpretes. Nesse intuito, muitos foram deixados em pontos da costa africana e na rota para o Oriente para aprenderem na prática a língua de cada região (COATES, 2008). A doutrinação dos meninos no Seminário e no Colégio de São Paulo visava, dentro diversas funções, a formação de intérpretes. Atuando entre duas culturas distintas, os intérpretes nativos foram fundamentais para promover a circulação ou a transição de significados atuando como verdadeiros mediadores culturais.

A expressão mediadores culturais foi utilizada por Gruzinski par investigar as mestiçagens culturais, sendo os mediadores os agentes que estavam entre zonas de contato, muitas vezes sendo o elo entre as mesmas. Gruzinski considera que os mediadores não necessariamente são indivíduos, podem ser também obras ou objetos – que atuam como mediadores entre tempos e espaços diversos, contribuindo na elaboração e na circulação de representações e do imaginário. Esses seriam responsáveis por estabelecer ligações entre mundos, povos e culturas. Os mediadores culturais são aqueles que efetivaram a passagem, isto é, a transferência de um universo intelectual, material ou religioso para outro (GRUZINSKI, 2005). Os intérpretes, topazes ou línguas se encaixam precisamente nesta categoria. Além de constituírem o elo entre duas culturas distintas, eles atuaram como catalisadores de ideias e levaram consigo crenças e projetos que exprimiam as expectativas de uma cultura em relação à outra, contribuindo na elaboração e na circulação de representações. A sua atuação permite compreender como diferentes universos culturais se entrecruzam.

Nos anos iniciais, os topazes ou línguas, como os jesuítas chamavam os intérpretes, constituíam em determinadas situações um ofício remunerado. É válido ressaltar que os jesuítas não protagonizaram no uso dos topazes, na verdade esta ideia foi incorporada às missões, a partir da experiência dos franciscanos e do clero secular, que já utilizavam os indianos e os mestiços como topazes no subcontinente indiano (COSTA, 2004). Os topazes eram adquiridos como qualquer outro funcionário: a partir de sua habilidade com as línguas e atuavam mediante algum pagamento.

O intérprete nativo foi por muitas décadas o canal de comunicação e compreensão entre os jesuítas europeus e a população nativa. Eles não apenas promoveram a transição de significados, como possuíam brechas para produzir concepções próprias, podendo essas serem consideradas inapropriadas pelos inacianos. O jesuíta Lancillotto, por exemplo, não confiava nos nativos gentios como intérpretes (WICK, vol.II, doc.90). A desconfiança partia do poder que a informação poderia conferir ao mesmo. Essa vantagem poderia lhe permitir influenciar não só os nativos, mas também os jesuítas. A figura do mediador poderia ser assim concebida pelo jesuíta como instável.

Os missionários serviram-se muito dos intérpretes para a conversão dos nativos ao catolicismo. Entretanto, conforme este recurso expandiu, os jesuítas preocuparam-se com a formação e a qualidade dos serviços. Lancillotto, por exemplo, não escondia a sua desconfiança em relação aos nativos topazes. Segundo o jesuíta, os mesmos não aprendiam satisfatoriamente a língua, além de não serem confiáveis, pois não tiveram uma formação cristã, logo, não teriam como traduzir o que não conheciam. O padre acreditava ser mais viável os jesuítas aprenderem a língua vernácula (WICKI, vol.II, doc. 90). É dentro dessas desconfianças e necessidades que os inacianos priorizaram o recrutamento de pueris nativos para que desde cedo fossem refinados pela instrução jesuíta, para que quando formados pudessem atuar na mediação e evangelização da população autóctone.

O resultado das interações entre os nativos e portugueses e o esforço e dedicação ao aprendizado da língua local resultaram na tradução de cartilhas, orações, materiais que se tornaram veículos prioritários para a difusão do cristianismo e para o alicerçar da fé nas populações nativas. A composição desses textos e a tradução das cartilhas evidenciam que metodologicamente a catequese, o ensino, o recurso das letras constituíram estratégia fundamental de atuação da Companhia (SALES, 2015). Destaca-se, por exemplo, o vocabulário malabar de Henrique Henriques, que contou com o auxílio de um dos meninos instruídos no Colégio de São Paulo, o brâmane Pedro Luís. Nas palavras de Henriques: “Prazerá ao Senhor que o tomará por instrumento pera muito se servir dele com a lingoa que tem e as letras que aprendeo” (WICK, vol.V, doc.99).

O crescimento das instituições de ensino nas colônias visava entre tantos objetivos aumentar o número de intérpretes e tradutores, integrando assim uma política de ações de domínio territorial do império com a catequese e a “domesticação” dos povos. Aos olhos dos missionários, mediante a carência financeira e as desconfianças em relação aos povos não convertidos, os meninos dos seminários e colégios se tornaram uma opção mais viável, econômica e de maior utilidade, visto que poderiam desempenhar outras funções, além da de intérprete. De um modo geral, os meninos poderiam ser auxiliares nas missas, nas visitas aos doentes, poderiam cantar nas missas e procissões, e realizar pequenos serviços dentro do colégio. Algumas cartas acusam também para a utilização dos meninos como guia dos missionários na destruição dos templos hindus. Em 1575, durante a consulta aos padres mais antigos do Estado da Índia, foi consenso entre os padres que havia a necessidade de criá-los para que servissem à Companhia como intérpretes (WICK, vol. X, doc. 16). O documento nos evidencia que os meninos poderiam atuar em diversas funções e responsabilidades, porém, a maior e talvez única necessidade da Companhia ainda era a de intérpretes, o que nos aponta que a língua vernácula continuou a ser um desafio mais de trinta anos depois da chegada dos jesuítas. Sob um olhar de menor desconfiança, os pueris atuaram como intérpretes e mediadores culturais.

A lógica da mediação cultural pauta-se no fluxo de recursos materiais ou simbólicos entre esferas e espaços sociais diferentes. Os intérpretes não funcionavam apenas como intérpretes linguísticos, mas também como mediadores culturais que atuavam tanto no processo de desvelamento para o europeu (geografia, sociedade e cultura) quanto nos processos de imposição à população local. Eles dispunham de um conhecimento que significava na prática uma dose de poder. Num processo de reelaboração identitária, como um mediador cultural o intérprete tinha uma importante função a cumprir e para tanto seria fundamental se ele fosse católico, pelo menos aos olhos de alguns jesuítas.

Ao colocar em contato duas culturas, o mediador cultural pode utilizar-se de sistemas de significados com diferentes chaves de interpretação. Os resultados podem variar conforme os mediadores conseguem transmitir sentido e ser interpretado por todos. Os meninos criados nos colégios por terem sido instruídos no catolicismo e por conhecerem sua cultura nativa, poderiam, conforme acreditavam os inacianos, efetuar uma melhor explicação dos sistemas de significados. Os meninos formados pelos jesuítas poderiam ser capazes de organizar sentidos e de criar um sistema de conexões dentro do universo cultural no qual transitavam com maior facilidade. Havia grandes expectativas por parte dos jesuítas em relação aos meninos, que foram concebidos como agentes da conversão em potencial.

O jesuíta Jerônimo Rodrigues fez ponderações dentro dessas expectativas em 1570. Ressaltou que em Goa os meninos convertidos e instruídos do Colégio ensinavam em sua casa os escravos, além de ajudar os irmãos que não sabiam a língua nativa, indo com eles às aldeias para evangelizar os infiéis (WICK, vol. VIII, doc.88). Nas outras extensões do Estado da Índia, as cartas dos missionários explicitam que os meninos não só recebiam a formação para intérprete como também atuavam nesse intuito. Em Baçaim, o padre Melchior Dias (1565) escreveu que Pero Vaz era porteiro e sacristão, ensinava canto aos meninos. Esperava-se deles servirem de intérpretes para “a gente da terra", o que era muito necessário (WICK, vol. VI, doc. 85). Em Taná, os meninos do Seminário eram responsáveis por ensinar os demais meninos nativos (WICK, vol.4, doc.92).

Na Costa da Pescaria, os meninos recebiam como formação ler, escrever, contar e o catecismo bilíngue. A intenção era que fosse criado na região de Tuticurim um colégio para o proveito da cristandade e formação de intérpretes. Com o ensino, os meninos seriam bons cristãos e intérpretes e os seus pais poderiam se sujeitar mais aos missionários. Terão mais amor e sujeição, como escreveu o padre Diogo da Cunha (WICK, vol. XII, doc. 117).

Enquanto em algumas regiões do Estado da Índia os jesuítas ainda expressavam o anseio de formar intérpretes, em Goa, segundo o padre Fróis, os meninos do seminário já atuavam como tal. Luís Fróis relatou que aos domingos, na ilha de Goa os irmãos se agrupavam em dois em dois e iam após a missa a diversas freguesias, onde declaram o Evangelho e os artigos da fé aos cristãos através de meninos intérpretes, filhos dos mesmos cristãos que se criam no colégio (WICK, vol. V, doc.43)

Em um relato muito semelhante ao de Fróis, porém, escrito posteriormente, Gomez Vaz (1566) escreveu que os meninos destros do Colégio de São Paulo acompanhavam os irmãos aos domingos nas freguesias para auxiliar como intérpretes no ensino das mulheres, meninos e cristãos em geral que não eram fluentes em português. Conforme Vaz, os meninos sabiam a doutrina cristã e isto significava muito: "em gente de pouca idade e nova no leite da fee. He muito pera louvar a deus NS pois em terra tao esteril fez tanto fructo" (WICK, vol. VII, doc. 16, p.61). Se a princípio os meninos convertidos do Seminário e do Colégio de Goa possuíam então uma responsabilidade menor, de auxiliar nas missas, nas visitas em hospitais e no cárcere, ao longo do tempo executaram também tarefas mais complexas e de grande responsabilidade, como traduzir os preceitos cristãos aos nativos e pregar. Se a conversão era um rito de passagem sagrado pelo batismo ao quais os padres executavam, os meninos puderam contribuir com a internalização e manutenção dos preceitos cristãos com as traduções.

Gostaríamos de salientar que se os pueris nativos, assim como os topazes, atuaram como mediadores culturais, os jesuítas também. O esforço de alguns missionários para aprender as línguas nativas foi de grande utilidade para as missões e possibilitou que os inacianos também atuassem como mediadores nas relações interculturais entre os europeus e os nativos. Não se tratava, como pontuou Manso, de um apreço pelas culturas locais, mas antes a sua destruição que os moveu neste propósito (MANSO, 2005).

Vivendo na fronteira de civilizações e transitando entre culturas, muitos jesuítas puderam construir conexões entre esses mundos e traduzir a doutrina cristã, ou pelo menos parte dela, aos povos ultramarinos. Isso não significa que eles percebiam a cultura das populações nativas com respeito. O intuito era compreendê-las para converter o nativo e transmitir significados, efetivando de fato “a passagem”, a transferência de um universo intelectual, material ou religiosos para outro. Os meninos nativos intérpretes e os jesuítas foram capazes de aproximar hábitos, práticas, conhecimentos e culturas, fazendo com que as mesmas se mesclassem ou adquirissem novos sentidos.

Para Serge Gruzinski, os mediadores culturais são os homens que andaram por todos os cantos do mundo recém-conhecido de seu tempo e que estabeleceram ligações entre essas partes do mundo. Os mediadores tinham como característica a sua própria diversidade, eles eram de diversas nacionalidades, como portugueses, espanhóis, franceses, judeus, malaios, tupis, ou africanos e podiam ocupar diferentes posições sociais. Poderiam ser escravos ou desempenhar diversas atividades ou profissões, como administradores, soldados, cronistas e missionários (GRUZINSKI, 2005). Citamos, por exemplo, os jesuítas e os pueris instruídos por eles para atuarem como intérpretes. Nessa função, muitos meninos auxiliaram na própria expansão do catolicismo no Oriente. Os pueris não só foram notados pelas autoridades coloniais e religiosas, como incorporados ao projeto político e católico no Oriente de expansão. Eles muniram um esforço de traduzir os sermões e pregações dos padres para os nativos, ao passo que contribuíram também na produção de cartilhas e manuais catequéticos e dicionários em uma clara atuação de mediação cultural.

 

Referências

Camila Domingos dos Anjos é doutoranda pelo programa de Pós-graduação em História na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e bolsista FAPERJ NOTA 10.

 

AGNOLIN, Adone. “Religião e Política nos Ritos do Malabar (séc.XVII): Interpretações diferenciais da missionação jesuítica na Índia e no Oriente”. Revista CLIO – UFPE: Dossiê Estudos Jesuíticos da Revista CLIO de Pesquisa Histórica (Universidade Federal de Pernambuco): vol. I, nº 27, 2009, pp. 203-56.

BORGES, Felipe. Jesuítas no "Estado da Índia": O seminário de Santa Fé e o colégio de São Paulo em Goa (1541 - 1558). 256f. 2018. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Maringá. Maringá: UEM, 2018.

BOTO, Carlota. A liturgia escolar na Idade Moderna. Campinas, SP: Papirus, 2017.

CARDOSO, Armando, SJ. (org). Cartas de Santo Inácio de Loyola. Volume 3. São Paulo: Loyola, 1993.

COATES, Timothy. Degredados e órfãs: colonização dirigida pela coroa no império português, 1550-1755. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998. 

GRUZINSKI, Serge. “Passeurs y elites católicas en las cuatro partes del mundo: los inícios de la mundialización (1580-1640)” In: GODOY, Scarlet O’Phelan; SALAZAR-SOLER, Carmen (Ed.). Passeurs, mediadores culturales y agentes de la primera globalización en el Mundo Ibérico, siglos XVI-XIX. Lima: Pontificia Universidad Católica del Peru/ Instituto Riva-Agüero/ Instituto Francés de Estudios Andinos, 2005.

MANSO, Maria de deus. Convergências e divergências: O Ensino nos Colégios Jesuítas de Goa e Cochim durante os séculos XVI-XVIII in CAROLINO, Luís Miguel; CAMENIETZKI, Carlos Ziller. Jesuítas, Ensino e Ciência, séc. XVI-XVIII. Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2005, pp. 163-181.

SALES, M.L.P.E.A. Do Malabar às Molucas: os Jesuítas e a Província do Malabar (1601-1693). 304f.  2015. Tese de Doutoramento em História – Universidade Nova de Lisboa, 2015.

TAVARES, Célia Cristina. A Cristandade Insular: Jesuítas e Inquisidores em Goa (1540-1682). 229 p. Tese (Doutorado em História Social) – UFF. Niterói, 2002.

THOMAZ, Luís Filipe. De Ceuta a Timor. Lisboa: DIFEL, 1994.

WICKI, Joseph. (org.). Documenta Indica. Roma, M.H. Societatis Iesu, 1948-1988.

6 comentários:

  1. Oi, Camila! Parabéns pela temática desafiadora e pela excelente escrita. É sempre bom encontrar uma colega pesquisadora que é didática e propõe temas tão interessantes. Gostei muito da forma como você abordou o texto, deixando tudo bem "amarrado". Há uma coerência que faz total diferença.

    A questão das missões me chama muita atenção, principalmente acerca dos pueris que são “moldados” pra trabalharem como mediadores. Tenho muito interesse em saber qual era o nível de autonomia dos pueris, já que você fala até sobre a desconfiança de alguns missionários nos topazes. Como o Império Português não encontrou um ambiente estático, os pueris, assim como os topazes, também poderiam atender objetivos de outros poderes? Há casos de pueris que abandonaram a fé católica ou que só atuavam como retransmissores do que era pregado pelos jesuítas ou o trabalho era eficaz para que estivessem imersos no que era propagado? Pergunto isso porque estudo missões protestantes, e quando os holandeses começaram a propagar o protestantismo, usaram o português que já estava enraizado. Há casos posteriores ou no período que você analisa, em que outros poderes fizeram uso da estratégia já consolidada pelos portugueses?

    Desde já, muito obrigado!

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    1. Boa noite Carlos, obrigada pelas considerações!
      Falar de autonomia é um pouco complicado, pelo próprio limite das fontes, cartas de jesuítas, como pela condição do pueri, alguém que se não estava sob a tutela dos parentes, estava sob a tutela das autoridades coloniais por serem considerados incapazes de tutelar a si mesmo. Os pueris eram levados em algumas missões para atuarem como intérpretes, entretanto esta questão não é tão aprofundada nas fontes. Digamos que ela é mais citada do que detalhada . Os jesuítas tendiam a narrar mais o que ocorria dentro do colégio. De um modo geral, os pueris possuíam um pouco mais de credibilidade como tradutores do que os topazes, pois eram necessariamente convertidos e possuíam alguma instrução. Isso contudo, não significou que eles atuavam com demasiada liberdade ou autonomia. O nativo era sempre alguém a ser vigiado, ensino e quando necessário também punido. Alguns jesuítas também desconfiavam da suposta “natureza viciosa” dos nativos. Inclusive converte-los e tê-los por perto atuando nas missões ou nas aldeias seria também uma forma de vigilância.
      Sobre a sua primeira questão, acredito que os topazes poderiam prestar serviços pra outras pessoas visto que isso era uma profissão remunerada. Os pueris, por outro lado, eles estavam soba tutela dos jesuítas, viviam no colégio deles e eram privados de terem contato com o mundo externo, incluído familiares. Então enquanto estivessem sob a tutela dos jesuítas prestavam serviços apenas a eles ou a quem eles permitissem. Algumas cartas relatam também que os inacianos entregaram alguns pueris para “amos” para prestarem serviço a eles. Todavia, esse serviço era manual, provavelmente ligado a trabalhos domésticos e não como intérpretes.
      Sobre a possibilidade de casos de pueris que abonaram a fé católica, fica difícil afirmar isso, pelo limite das nossas fontes. As cartas estão sempre narrando as experiências cotidianas das missões, ou sobre o colégio, então se algum pueri depois de formado abandonou a fé católica em alguma região longínqua, talvez isso seja desconhecido para os inacianos e talvez também não seja interessante narrar, caso fosse do conhecimento deles, pois isso seria visto como um fracasso. Todavia, encontramos com recorrência nas cartas relatos de meninos que se recusavam a se converter ou tentavam fugir. Inclusive relatos de agressão por conta disso.
      Se há casos posteriores eu desconheço por avançar no meu recorte, mas casos anteriores sim. Essa prática de utilizar pueris como tradutores já havia sido iniciada no Estado da Índia pelos franciscanos, antes mesmo dos jesuítas chegarem. Digamos então que os jesuítas “beberam” bastante dessa água.

      Espero ter respondido tudo, obrigada pelo comentário e qualquer dúvida é só escrever!
      Um abraço!
      Camila Domingos dos Anjos

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  2. Boa noite Camila! Fico feliz de ver você participando do evento esse ano também! Seu texto é otimo! Claro e preciso e embora eu já conheça um pouco da sua pesquisa, graças as nossas conversas, eu tenho certeza que mesmo quem desconhece o tema pode entender claramente o ponto que você tratou aqui.

    Lendo o texto e até mesmo refletindo com a minha própria pesquisa e estudo que fiz dos jesuítas, eu tenho algumas dúvidas: Algumas dessas crianças treinadas foram admitidas na Companhia de Jesus? Digo isso porque na China houve uma resistência muito grande para a aceitação de cristãos chineses na Companhia. Demorou bastante para aceitarem o primeiro, e poucos acabaram sendo aceitos no fim das contas. Outra pergunta: Havia conflito entre os jesuítas da missão da Índia favoráveis a utilização destes interpretes nativos e aqueles favoráveis a aprenderem a língua eles mesmos? Existia alguma disputa nesse sentido?

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    1. Oi Renan, obrigada pelas considerações!
      Dentro do meu recorte, apenas um desses pueris foi aceito.

      Não pude me aprofundar muito nesse ponto. Que boa oportunidade para explicar melhor agora. Essa relutância também se aplica na Índia, inclusive eles teriam aceitado primeiro os chineses, antes mesmo dos indianos. Apesar de os meninos serem instruídos e preparados para futuramente compor um clero nativo, essa formação deve ser analisada por um ângulo contraditório, como enfatizou Tavares. Não havia restrição a serem formados clérigos de origem indiana, mas existiam restrições de carreira. Segundo Boxer, ao mesmo tempo em que os jesuítas estavam preparados para educar os canditados ao sacerdócio secular, estavam também pouco inclinados a deixá-los se tornarem jesuítas, mantendo-os sempre em posições subordinadas. As cartas dos inacianos no século XVI estão recheadas de classificações e hierarquizações referentes às populações nascidas no Oriente, essas sempre sob a desconfiança de não serem dotadas de qualidades específicas que as habilitavam a serem admitidas na Companhia de Jesus. Havia rígidas fronteiras que engessavam os nativos em categorias de desqualificação e de uma natureza inferior, o que impedia o seu progresso nos estudos e consequentemente se tornarem jesuítas. Dentro do meu recorte, apenas um pueri conseguiu ingressar na Companhia de Jesus, e apesar de ele ter feito um trabalho reconhecido entre os próprios jesuítas que atuavam no Oriente, a sua entrada na Companhia foi um pouco por sorte. O nome do pueri era Pero Luís, um brâmane. Ele estava muito doente e há alguns anos discutia-se a entrada nele na Companhia de Jesus com a recomendação de vários jesuítas que trabalharam com ele e a lado dele no Oriente. Os jesuítas acreditavam que ele não iria sobreviver então foi consentido a sua entrada em seu leito de morte. O padre Fróis chegou a narrar que ele morreu, mas ele sobreviveu para a surpresa dos jesuítas rs
      Havia conflito sim. Você percebe as diferentes expectativas ou a falta delas com clareza nas cartas. Existia uma parte dos jesuítas que era completamente descrente quanto a população nativa. Apesar de eu ter citado o Lancillotto e a questão da desconfiança com o idioma, o idioma era só a ponta do Iceberg. Jesuítas como Lancillotto e Antônio Gomes desconfiavam da própria natureza dos nativos, como se eles fossem condenados a “barbárie” da sua natureza viciosa. Um episódio interessante, por exemplo, é quando o Antônio Gomes assume o Colégio de São Paulo como reitor. Descrente quanto a inteligência e natureza dos pueris nativos, ele os expulsou do Colégio de São Paulo. Algumas cartas narram que ele expulsou alguns, enquanto outras dizem que ele expulsou todos. Isso gerou muita polêmica entre os inacianos, tanto na época, quanto depois. Segundo o vice-rei Afonso de Noronha, no dia seguinte da expulsão o colégio “amanheceu tão só, como a terra em que morre de peste”. O escândalo causou descrédito entre os missionários em relação à população nativa. Antônio Gomes, segundo a professora Tavares, chegou a ser expulso da Companha de Jesus por isso.

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  3. Bom dia, Camila.
    Gostei muito da sua reflexão sobre os meninos tradutores. Muito interessante a abordagem apoiada nos mediadores culturais do Gruzinski. Acho muito importante o enfoque no trabalho dos jesuítas para com as crianças, tanto no Oriente quanto na América portuguesa.

    Desejo sucesso na continuidade de sua pesquisa.
    Cordialmente,
    Felipe Borges

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    1. Boa noite Felipe.
      Sua tese foi muito importante para o desenvolvimento da minha. Muito obrigada por ter me viabilizado a versão final antes mesmo de estar disponível online! Só tenho a agradecer!
      Camila

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