Daniel de Oliveira Vasconcelos

 

O ESTADO CONTRA O MERCADO? POLÍTICAS IMPERIAIS, CULTURA MERCANTIL E COMÉRCIO NA CHINA DA DINASTIA MING


 

Introdução

Um viajante, durante as primeiras décadas do século XV, ficaria estarrecido com a dinamicidade das cidades chinesas envolvidas no comércio. Mais do que em séculos passados, uma economia de mercado vinha tomando forma, onde não somente produtos domésticos provenientes de diferentes regiões seriam transportados pelo país afora, mas também produtos estrangeiros tornar-se-iam amplamente disponíveis. Esse contexto denota uma diferença clara entre economia de mercado e capitalismo, como proposto por Braudel [1977]. A China, na dinastia Ming, avançou com sua “economia de commodity” [Brook, 1981] ao nível de criar um mercado competitivo, impulsionar o trabalho assalariado e decentralizar os sistemas de preços [Appel, 2017].

Isso nos coloca uma questão sobre o papel do governo imperial na economia, durante a dinastia Ming. De acordo com Yu, existem duas generalizações comuns em análises sobre a China Imperial: uma é a ideia de que um “estado todo-poderoso era o principal obstáculo para o livre desenvolvimento do mercado”, enquanto a outra visão diz que os “mercadores eram sempre desprezados pela elite governante” [Yu, 2016, p. 236]. Uma análise mais detalhada a respeito desse período demonstra que a complexa relação entre estado e mercado não se traduziu automaticamente no estabelecimento de barreiras econômicas. Na verdade, políticas se diferenciavam substancialmente, em que até mesmo éditos anticomerciais iriam produzir incentivos econômicos para que mercadores e empresas reinvestissem seu capital no mercado.

Não há consenso, entretanto, sobre esse papel do estado. Von Glahn [2016], por exemplo, argumenta que as políticas e os desincentivos do primeiro século da dinastia Ming, como as políticas anticomerciais e a expropriação de riquezas das elites, retardou o desenvolvimento do comércio na China. Nesse sentido, ele acredita que: “o mal-estar econômico que resultou da traumática transição dos Mongóis para o domínio Ming persistiu por mais de um século” [Glahn, 2016, p. 562]. Por outro lado, Timothy Brook [2013] defende que o excedente agrícola originado de reformas do início da dinastia Ming foi o gatilho para uma economia de commodity que viria a florescer nos séculos seguintes. Para ele, apesar de – e, às vezes, por causa de – políticas anticomerciais, mercadores puderam inovar e criar as condições para a futura comercialização da sociedade chinesa.

 

Políticas Imperiais no início da dinastia Ming: a ascensão e queda da sociedade agrária confuciana

Zhu Yuanzhang tornou-se órfão após um dos vários conflitos que assolaram a vida do povo chinês no fim do domínio mongol. Ele, que fora educado pelos clássicos confucionistas, teria convivido com a pobreza e a instabilidade social, experiências que definiriam seu caráter na vida adulta. Após destronar o último imperador da dinastia Yuan, Zhu Yuanzhang liderou grupos rebeldes e fundou a dinastia Ming, em 1368. O Imperador Hongwu, como era conhecido, advogou por uma “sociedade agrária simples, estável, harmoniosa e hierárquica, com uma forte identidade cultural Han, governada por oficiais incorruptíveis e um sábio imperador” [Tanner, 2010, p. 282]. Implacável e autocrático, Zhu Yuanzhang foi influenciado pelo neoconfucionista Zhu Xi e inclinou-se para os mandamentos clássicos que poderiam trazer a moralidade e os rituais de volta ao centro da vida social chinesa.

No âmbito econômico, as iniciativas do Imperador eram, no mínimo, controversas. Espelhando-se em dinastias antigas, Hongwu proibiu comerciantes até de usar roupas de seda, já que denotavam nobreza [Yu, 2016]. Porém, ao mesmo tempo, reformas mais profundas foram realizadas e impactaram a organização da produção econômica nacional por pelo menos meio século. O sistema lijia [Fairbank e Goldman, 2008; Tanner, 2010; Glahn, 2016; Brook, 2013], por exemplo, reorientou a arrecadação tributária, impondo o ônus para a família mais rica da localidade. Além disso, contribuiu para a estabilização da produção agrícola, que havia sofrido enormemente com o caos social do final do período Yuan. Também facilitou o controle estatal sobre os domicílios, uma vez que esse sistema rigoroso identificava mais facilmente o número de membros de cada família e sua consequente contribuição.

O primeiro imperador também promulgou uma série de éditos anticomerciais, da proibição do comércio marítimo aos certificados de monopólio e ao sistema de fronteiras para o sal. Não que Hongwu tivesse total aversão ao comércio, mas, mais precisamente, essa atitude estava relacionada à sua ideia sobre a sociedade agrária, onde o comércio permaneceria dentro das áreas urbanas [Brook, 1999] e não ditaria os preços e o volume da produção agrícola – o que eventualmente aconteceu na China e no mundo capitalista séculos mais tarde. Sua principal preocupação estava relacionada à estabilidade social e ao seu mandato como o governante benevolente que alimentaria sua população. Como o comércio era visto com diferentes graus de hostilidade em toda a China Imperial [Yu, 2016], o Imperador Hongwu reproduziu a lógica das elites em seu esforço para controlar a atividade comercial dentro dos limites do estado.

Hongwu também promulgou o Código Ming, que estipulava punições para aqueles que não respeitavam as regras anticomerciais [Brook, 1999], e promoveu políticas fiscais e monetárias que contribuíam para a desmonetização da economia [Glahn, 2016]. Segundo Von Glahn: “o sistema fiscal Ming gerou um baixo nível de renda em comparação com a dinastia Song. O imposto sobre a terra, coletado em grãos, representava não mais que 5% a 10% dos rendimentos” [Glahn, 2016, p. 558]. Ao mesmo tempo, “depois de uma breve tentativa de restaurar uma moeda de bronze, Hongwu instituiu um novo tipo de moeda de papel inconversível (baochao) enquanto,simultaneamente, bania o uso de ouro e prata [...] como dinheiro” [Glahn, 2016, p. 558]. Von Glahn comenta que “em 1425 o dinheiro em papel moeda valia apenas 2% de seu valor nominal e essencialmente deixou de funcionar como moeda viável” [Glahn, 2016, p. 558].

Passados os anos de instabilidade política e conflitos, o Imperador Yongle assume uma China onde a produção agrícola havia se estabilizado, o território se encontrava relativamente seguro contra invasões externas e novas demandas sociais emergiam. O imperador deixou de lado o plano de construção daquela sociedade agrária idealizada por seu antecessor, mas não mudou a estrutura fiscal e econômica básica do estado [Glahn, 2016]. No entanto, esse conservadorismo fiscal é ofuscado por seus empreendimentos, como a transferência da capital de Nanquim para Pequim, a reforma do Grande Canal, as explorações marítimas e as múltiplas linhas de defesa e ataque em todo o país. Isso contribuiu para a reversão das políticas anticomerciais, que, mesmo mantidas formalmente durante seu reinado, perderam eficácia, promovendo indiretamente a economia de commodities em meio à sociedade agrícola.

Como Tanner afirma, o reinado do Imperador Yongle “foram anos de política externa agressiva, projetos de construção maciços e apoio generoso a bolsas de estudos e literatura” [Tanner, 2010, p. 287-288]. Por um lado, essa posição assertiva resultou em um império mais integrado – o estabelecimento do serviço de correio (yichuan), do serviço postal (jidi) e do serviço de transporte (diyun) são evidências disso [Yu, 2016, p. 34]. Por outro lado, colocou o orçamento do governo no seu limite, reduzindo a receita do estado e enfraquecendo sua fiscalização sobre a população, o que abriu caminho para a corrupção e a diferenciação local na implementação de regras [Fairbank e Goldman, 2008], mas também deu às empresas privadas margem de manobra para suas próprias iniciativas. A transferência da capital para Pequim e a reforma do Grande Canal são exemplos claros disso: elas ofereceram infraestrutura e conectividade aos comerciantes, mas também mais autonomia à região sul, que já possuía uma economia mais “comercializada”.

A outra iniciativa que levou à exaustão do governo foi a exploração marítima, encabeçada principalmente por Zhang He, um eunuco leal ao imperador Yongle. Concebidas no âmbito do sistema tributário, as explorações que chegaram até a costa leste da África acabaram sendo um desastre econômico [Glahn, 2016]. Não estabeleceu novas rotas comerciais, nem impulsionou os chineses a explorar terras e mercados no exterior [Glahn, 2016; Fairbank e Goldman, 2008]. No final, o governo de Yongle interveio apenas indiretamente no mercado e teve que lidar com crises fiscais graves. No geral, esse período, que vai de 1368 a 1424, viu muitas transformações sociais e econômicas, mas o papel desempenhado pelo Estado ainda se fazia ambíguo.

 

Mercadores e Comércio no início da Dinastia Ming

Zhang Tao foi muito crítico sobre o que a sociedade chinesa se tornara. Vivendo no século XVI, ele já percebia o impacto da economia de mercado em todos os aspectos de sua vida. Como um oficial de estado, ele tinha uma desconfiança particular em relação aos comerciantes, a quem culpava por todas essas transformações [In Brook, 1999]. Embora mais amigável, Zhang Han, outro oficial do governo, via os comerciantes como orientados para o lucro e de alguma forma mais distantes da moral confucionista [In Brook, 1981]. Comum a eles é a noção de que o comércio deveria ser limitado à troca de mercadorias. Esses depoimentos nos ajudam a entender como os comerciantes eram vistos na China e o papel que eles desempenharam na transformação do tecido social pelas margens do estado imperial.

Há uma visão convencional “de que o confucionismo foi o principal responsável pela atitude tradicional conhecida como 'enfatizando a importância da agricultura às custas do comércio'” [Yu, 2016, p. 235]. Ao longo dos séculos, os comerciantes foram considerados a base da hierarquia social chinesa, onde até camponeses e artesãos eram moralmente mais dignos do que aqueles que viveriam pelo comércio [Brook, 1999, 72]. A dependência da agricultura e a importância de valores morais, como a piedade filial, pareciam de alguma forma incompatíveis com o modo de vida dos comerciantes. Dessa maneira, mesmo que essa visão não seja totalmente verdadeira [Yu, 2016], os comerciantes chineses da dinastia Ming ainda enfrentavam estigma social.Mas ainda existiam outras variáveis que incentivavam pessoas de diferentes regiões a se empenharem nesse negócio instável e pouco valorizado. Como Zhang Han reconheceu, a pobreza e os incentivos econômicos contribuíram para a milenar cultura mercantil, que sobreviveu apesar da hostilidade social.

No início do Ming, os comerciantes eram o vínculo que integraria regiões isoladas, abasteceria as cidades com mercadorias que de outra forma não estariam disponíveis e lançaria iniciativas que até o governo central seria forçado a conceder. Como Tanner explica:

“A demanda do consumidor urbano [...] levou o desenvolvimento da produção têxtil, porcelana, incenso, papel e livro a novos patamares. [...]. Os comerciantes tiveram um papel fundamental ao tornar isso possível. Foram os comerciantes que compraram matérias-primas em numerosas, porém pequenas cidades mercantis, as transportaram para os principais centros de produção e as venderam para famílias especializadas em tecelagem ou outros artesanatos. Foram os comerciantes que compraram os produtos acabados e os transportaram para os grandes centros de consumo. Os comerciantes reinvestiram seus lucros em mais comércio, em terras, em empréstimos a dinheiro, na educação de seus filhos para os exames do serviço público e, é claro, em estilos de vida luxuosos, móveis finos, arte, casas confortáveis ​​e jardins encantadores[Tanner, 2010, p. 304].

Entre uma população de cerca de 80 milhões de pessoas no início do século XV, os comerciantes conectaram aldeias e contribuíram para o crescimento da renda em várias localidades, que venderiam seu excedente agrícola [Brook, 2013].

Isso, no entanto, só seria possível devido à especialização regional testemunhada na China [Skinner, 1985]. Entre os monopólios de sal no norte e os monopólios de chá no sul [Brook, 1981], surgiu um mercado integrado de produtos agrícolas e manufaturados, como porcelanas chinesas. O comércio se intensificou onde os mercados eram mais frequentes e onde os funcionários eram mais simpáticos aos comerciantes [Brook, 1981]. Em seu testemunho, “On Merchants”, Zhang Han observa a diversidade da economia nacional em meados da dinastia Ming. Ele também atesta a centralidade da região sul de Zhili para o comércio, onde “muitas pessoas estão de olho nos lucros do comércio especulativo, abandonando o setor primário [agricultura] para buscar o secundário [comércio]”. Isso só seria possível quando o excedente agrícola nacional fosse suficiente para alimentar pessoas cuja ocupação primária não estivesse nos campos e onde houvesse uma diferenciação regional na produção que pudesse gerar demandas em outros lugares.

Enquanto Jiangxi funcionava como um "corredor econômico" devido à sua geografia e à presença de mais pessoas dispostas a negociar, em Fujian “muitas pessoas vivem de comércio especulativo” [Brook, 1981, p. 201]. Zhejiang cresceu como um centro de tecidos e produção de seda fina, enquanto Shandong era mais adequado para o cultivo de milho, amoreira e cânhamo. Como uma “terra bem regada”, Sichuan “é rica em gengibre, castanhas, legumes, frutas” [Brook, 1981, p. 195], etc. Henan era o lar de algodão, cera e couro. Essas e outras regiões compunham um mosaico do que Brook chamava de “economia mista de um Império Agrário” [Brook, 2013]: abaixo da camada imperial do início dos Ming, considerado por muitos como um país agrícola monolítico, estão as raízes do uma economia de mercado muito dinâmica.

 

Estado, comércio e mercadores: sinergia ou dissociação?

As reformas promovidas pelos primeiros imperadores da dinastia Ming tiveram resultados diversos para a economia. O sistema lijia, por exemplo, é reconhecido – mesmo por Von Glahn – como um estabilizador da economia rural da época. Era de fato um sistema rígido, que não oferecia incentivos para uma modernização disruptiva da economia chinesa. No entanto, é uma das reformas pelas quais “os primeiros imperadores Ming estabeleceram sistemas de registro, tributação e mão-de-obra familiar para que pudessem controlar e empregar o excedente de mão-de-obra, grãos e produção têxtil da população agrícola para seu uso no suprimento das forças armadas, do governo e da casa imperial” [Tanner, 2010, p. 302]. Ao fazê-lo, o governo imperial também criou as condições para o comércio de excedentes agrícolas. Os comerciantes, desde o início da dinastia Ming, aproveitaram a reforma para seu proveito e impulsionaram a venda dessas mercadorias.

Os comerciantes também foram beneficiados por projetos de construção que visavam melhorar a infraestrutura do estado. Por exemplo, a transferência da capital para Pequim e a restauração do Grande Canal são consideradas uma das políticas mais decisivas para incrementar o comércio regional e apoiar um mercado nacionalmente integrado [Brook, 1981]. Como Brook entende: “grande parte do crescimento econômico nas dinastias Yuan e Ming, embora mais nos Ming, era privado na organização e no capital, mas público em termos de sua operação em uma infraestrutura criada e financiada pelo estado” [Brook, 2013 p. 109]. Embora não intencionalmente, esses projetos facilitaram enormemente o comércio. O Canal, mais especificamente, “deu ao transporte comercial a espinha dorsal necessária para conectar o país de forma rudimentar a uma economia integrada” [Brook, 2013, p. 111]. Esse mercado integrado descrito na seção anterior não se tornaria realidade se não fossem esses projetos estatais.

Menos consensual é a iniciativa imperial de proibir a prata e estabelecer o papel-moeda. Von Glahn, por exemplo, argumenta que essa política monetária gerou escassez e impediu o desenvolvimento da economia urbana [Glahn, 2016]. Mas, mesmo nesse cenário, os comerciantes se esquivavam das barreiras governamentais e acabaram por instituir sua própria moeda. Dessa maneira:

“Porque o governo não podia fornecer uma moeda confiável, os comerciantes usavam lingotes de prata com um peso padrão [...]. Esses lingotes de prata não eram moeda emitida pelo governo e, portanto, não apresentavam as desvantagens do dinheiro – valor arbitrariamente estabelecido, misturas variadas de prata e metais menores e criação governamental de dinheiro (e inflação) via impressão. A prata era simplesmente uma mercadoria que era aceita como uma unidade de troca. O valor real da prata variou com a demanda do mercado” [Tanner, 2010, p. 305].

É o caso, então, de se pensar que, precisamente porque o dinheiro “real” que pôs a economia em movimento era dirigido pelo mercado, desassociado da intervenção governamental, os comerciantes tiveram mais liberdade de negociar. Este é outro exemplo que, mais do que cumprir as normas estatais, comerciantes, artesãos e camponeses foram simpáticos a iniciativas informais para aumentar sua utilidade econômica.

Finalmente, é importante considerar que autoridades locais divergiram na implementação dos regulamentos imperiais. Em vários lugares, as autoridades não apenas não trataram o comércio com hostilidade, mas também conspiraram com os comerciantes para promover a economia local [Brook, 1981]. Os comerciantes tinham relativa autonomia em um vasto império e, consequentemente, podiam estreitar laços com elites mais favoráveis ​​ao comércio. Por todas essas razões, estado e mercado freqüentemente mantinham uma relação sinérgica, mesmo no início da dinastia Ming, onde as políticas anticomerciais eram mais severas. Essa conclusão vem do fato de que o governo não apenas induziu a paz necessária para florescer atividades econômicas, uma condição bem apresentada por Keynes [1919], mas também agiu involuntariamente em coordenação com a economia privada [Brook, 2013], por meio da construção de infraestrutura e, posteriormente, reconhecendo a prata como moeda de fato.

 

Conclusão

O início da dinastia Ming compreende um período que vai de 1368 a 1450. Como visto acima, esses anos diferiram em termos de atividade econômica e políticas imperiais, mas, ao mesmo tempo, abriram espaço para o estabelecimento de uma próspera economia de commodities. Os contratempos no desempenho econômico e comercial foram regulares, mas argumentar que o período como um todo caracterizou uma “estagnação” e atrasou o desenvolvimento econômico por um século na China é,igualmente, diminuir o papel desempenhado pelos comerciantes e os resultados não intencionais das políticas estatais. A economia funciona em um sistema relacional, onde seus componentes respondem a diferentes incentivos, resultando em dinâmicas socioeconômicas não previstas anteriormente. A compreensão dos fatores econômicos subjacentes na China dos Ming revela-nos quão complexa é a interação entre o governo central, autoridades locais, comerciantes e outros atores e instituições.

Testemunhos, como os de Zhang Han e Zhang Tao,deixam claro que o nível de integração econômica e o desenvolvimento da economia de mercado na China não teriam emergido em apenas algumas décadas antes de nascerem. Pelo contrário, é mais concebível se identificarmos as tendências de longo prazo desde o início da dinastia Ming como igualmente importantes para explicar as transformações econômicas em todo o país. Isso não é negar que as desigualdades regionais estavam presentes e que em muitos lugares os funcionários seguiram estritamente as ordens imperiais e bloquearam forças espontâneas do mercado. Não obstante, a interação geral entre estado e mercado no primeiro século da dinastia Ming tendeu à sinergia, e não à dissociação.

 

Referências

Daniel de Oliveira Vasconcelos é mestre em Estudos da China, com ênfase em Política e Relações Internacionais, pela Academia Yenching da Universidade de Pequim. Possui especialização em Estudos Diplomáticos, pelo CEDIN, e graduação em Ciência Política, pela Universidade de Brasília. Pesquisa sobre economia e política chinesas, seus traços históricos e políticas públicas atuais.

 

APPEL, Tiago Naser. "Why was there no capitalism in Early Modern China?" In Brazilian Journal of Political Economy, vol. 37, nº 1 (146), January-March/2017, pp. 167-188.

BRAUDEL, Fernand. Afterthoughts on Material Civilization and Capitalism. Translated by Patricia M. Ranum. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1977.

BROOK, Timothy. "The Merchant Network in 16th Century China: A Discussion and Translation of Zhang Han's "On Merchants"." In Journal of the Economic and Social History of the Orient, Vol. 24, No. 2 (May, 1981), pp. 165-214.

BROOK, Timothy. The Confusions of Pleasure: Commerce and Culture in Ming China. University of California Press, 1999.

BROOK, Timothy. The Troubled Empire: China in the Yuan and Ming Dynasties. First Harvard University Press, 2013.

FAIRBANK, John King e GOLDMAN, Marle. China: uma nova história. 3 ed., Porto Alegre, RS: L&PM, 2008.

GLAHN, Richard von. The Economic History of China: From Antiquity to the Nineteenth Century. Cambridge University Press, 2016.

KEYNES, John Maynard. The Economic Consequences of the Peace. (1 ed.). London: Macmillan & Co., Limited. p. 279, 1919.

POMERANZ, Kenneth. The Great Divergence: China, Europe, and the making of the modern World-Economy. Princeton (New Jersey): Princeton University Press, 2000.

SKINNER, G William. "Presidential Address: The Structure of Chinese History." In The Journal of Asian Studies, Vol. 44, No. 2 (Feb., 1985), pp. 271-292.

TANNER, Harold M. China: A History. Vol. 1. Hackett Publishing Company, Inc, 2010.

YU, Ying-shih. Chinese History and Culture. Nova Iorque: Columbia University Press, 2016.

6 comentários:

  1. Boa noite!
    Daniel, seu texto ficou muito interessante e trabalha uma temática importante na história da China, parabéns!
    Gostaria de saber qual dos aspectos citados no texto (infraestruturas, o monopólio da produção de um determinado produto em cada província ou o estabelecimento da prata como moeda) teve um maior peso para o desenvolvimento de uma economia de mercado no Império Ming?

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  2. Mais uma pergunta:
    Eu particularmente gosto muito das expedições do eunuco Zhang He pelo Oceano Índico. Desse modo gostaria de saber se elas tiveram alguma contribuição, ou não, nas relações políticas ou econômicas da China com outras regiões banhadas pelo Índico e que foram visitadas por Zhang He?

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  3. As duas perguntas foram feitas por José Raimundo Neto.

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    1. Olá José Raimundo Neto, muito obrigado pelo seu interesse. Vou responder suas questões neste comentário.

      De fato, não é possível eleger um único fator como determinante no desenvolvimento da economia Ming. Como tentei expor no texto, os fenômenos econômicos e sociais são complexos e interdependentes. Por isso, considero de extrema complexidade separar as variáveis relevantes. Dito isso, entretanto, acredito que a especialização regional foi de extrema importância para o crescimento dos fluxos inter-regionais de pessoas e produtos. Essa especialização pressionou o sistema econômico para se desenvolver de tal forma que pudesse transformar os excedentes em produtos comerciais. Às vezes isso passa despercebido, mas não basta somente haver excedente de produção para haver comércio, quiçá um comércio baseado em uma economia de preços e uma moeda comum aceitas pelas diversas regiões. Neste ponto, cabe lembrar que o poder imperial teve grande papel na regulação e homogeneização dessa economia de mercado, bem como na imposição de uma moeda comum. Em relação a esse ponto, sugiro a leitura do artigo "The invention of money", disponível em: https://www.newyorker.com/magazine/2019/08/05/the-invention-of-money.

      Sua segunda pergunta é muito relevante, porém foge da minha especialização e, por isso, não seria sensato de minha parte oferecer uma resposta que não possuo conhecimento suficiente, por implicaria conhecer as realidades socioeconômicas dos diversos territórios que Zheng He visitou. Contudo, convido-lhe a pesquisar sobre o assunto nos livros "The Ming Dynasty, 1368–1644, Part 1" e "The Ming Dynasty, 1368–1644, Part 2", ambos editados por Twitchett and Mote, compondo o The Cambridge History of China. Se isso fortaleceu ou não o contato chinês com o mundo exterior acessível por vias marítimas, talvez o próprio fato de a China se fechar e proibir a navegação de exploração algumas décadas depois das expedições de Zheng He nos indica que o Império Ming se via como autossuficiente e suspeito do contato com "povos bárbaros". Além disso, suas expedições, como argumentei, não resultaram em rotas de comércio ou em um expansionismo colonial chinês, como o fora para as "grandes expedições" europeias entre os séculos XV e XIX. Pelo bem ou pelo mal, o Imperador chinês decidiu pelo isolamento.

      Espero ter respondido suas perguntas,

      Daniel de Oliveira Vasconcelos

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  4. Olá, Daniel.

    Tudo bem? Gostei muito do seu texto! Você poderia falar um pouco mais do Código Ming? Poderia indicar mais referências bibliográficas sobre ele? Obrigado!

    Abraços,
    Edelson Costa Parnov

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    1. Olá Edelson, obrigado pelo interesse! O Código Ming é uma coleção de leis e decretos imperiais que literalmente codifica normas e costumes que já tinham força de lei, além de inovar em alguns aspectos legais. É interessante notar a sofisticação do código, que não só continha o escopo legal do mandato imperial, mas também reunia uma síntese das relações socioeconômicas da época. Para mais detalhes, convém consultar a obra "The Great Ming Code: Da Ming lü", introduzida e traduzida para o inglês por Jiang Yonglin. Nesse livro, você encontrará o código traduzido, além de comentários. Outro livro pertinente para esse tópico é o "The Ming Dynasty, 1368–1644, Part 2", editado por Twitchett and Mote, sendo parte do, talvez, mais extensivo e profundo trabalho sobre história da China em inglês, o The Cambridge History of China.
      Espero ter ajudado!

      Daniel de Oliveira Vasconcelos

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