Daniele Prozczinski

 

A SEGUNDA GERAÇÃO DE LIDERANÇA DO PARTIDO COMUNISTA CHINÊS: A TURBULENTA CHEGADA AO PODER DE DENG XIAOPING


 

 

Este capítulo tem por objetivo descrever o processo de transição da liderança da primeira geração do Partido Comunista Chinês (PCCh) para a segunda. Desta forma, o capítulo divide-se em três partes, sendo a primeira uma introdução sobre o contexto político chinês no período que antecede a morte do seu líder, Mao Zedong. Na segunda parte, discutir-se-á como ocorreu a ascensão de Deng Xiaoping à liderança do PCCh e, por fim, apresentam-se algumas considerações finais.

 

Introdução: o contexto político chinês após a morte de Mao Zedong

Durante o Décimo Congresso do Partido Comunista, que aconteceu em agosto de 1973, alguns membros do PCCh foram reabilitados, incluindo Deng Xiaoping. Em um breve período e com o apoio de Zhou Enlai, Deng subiu, nova e rapidamente, na hierarquia do partido. O diagnóstico de câncer de Zhou Enlai fez com que ele se preocupasse em colocar alguém de uma linha mais moderada no poder, vendo em Deng essa possibilidade.

 

Em 1975, Deng chegou ao número 3 do PCCh, sendo Mao o número 1 e Zhou Enlai o número 2. No entanto, a sua ascensão não iria durar muito tempo. No Festival Qingming, que ocorreu após a morte de Zhou Enlai, em abril de 1976, várias pessoas foram mortas e muitas ficaram feridas durante a manifestação na Praça Celestial. A reunião dos manifestantes homenageava também Zhou, uma vez que, “aos olhos da população, ele representava, durante o longo período da Revolução Cultural, a moderação, a honestidade, e o equilíbrio, e impediu o país de se comprometer com a linha radical preconizada por Jiang Qing, a esposa de Mao, e os seus companheiros”(YAN, 2002, p. 26). Como houve críticas a Mao durante este festival, Deng Xiaoping foi acusado de instigar a manifestação e foi retirado de todos os cargos que ocupava (DREYER, 2012, p. 11). Paralelamente, a saúde de Mao deteriorava-se rapidamente e o líder chinês queria encontrar alguém que respondesse aos seus objetivos e continuasse o processo revolucionário na China.

 

De acordo com Roderick Macfarquhar e Leroy B. Williams, dividiam-se em três os grupos que poderiam vir a substituir Mao: os radicais, os sobreviventes e os beneficiários da Revolução Cultural. Os radicais eram o grupo de extrema esquerda responsável pela Revolução Cultural. Os sobreviventes, como o próprio nome indica, conseguiram manter-se no poder durante os turbulentos anos da Revolução Cultural. Por fim, os beneficiários eram os que conseguiram subir rapidamente na hierarquia do PCCh e, à medida que ascendiam, retiravam outros membros (MACFARQUHAR; WILLIAMS, 1997, pp.336-339). Para Mao, no entanto, a escolha do seu sucessor era difícil. Sabia, igualmente, que seria complicado conseguir apoio para alguém que estivesse ligado ao radicalismo da Revolução Cultural, precisando, deste modo, de encontrar possíveis aspirantes em outros lugares.

 

Foi neste contexto que Wang Hongwen foi trazido de Shangai para Beijing, em 1972, subindo em pouco tempo dentro da hierarquia do partido, sendo, por esse motivo, chamado de “foguete”(LI, Z., 2011, p. 37). Wang era jovem, tinha apenas 36 anos, e desempenhou um papel importante na Revolução de Janeiro de Shangai. Mao acreditava que, pela sua juventude, iria conquistar os mais jovens e pelo seu trabalho desenvolvido até então, os trabalhadores. Hua Guofeng, futuro escolhido de Mao, também foi trazido nesta altura para Beijing. De fato, Hua não tinha o prestígio de Deng Xiaoping ou de Zhou Enlai. Era alguém pouco conhecido e que foi selecionado pela sua rigidez no seguimento dos ditames do Grande Timoneiro. De acordo com Robert Weatherley, Hua é o sucessor esquecido de Mao (WEATHERLEY, 2010), “era praticamente desconhecido dentro de círculos sêniors do partido, depois de mais de duas décadas de relativo anonimato em Hunan (WEATHERLEY, 2010, p. 112). Segundo o mesmo autor, veio para Beijing em 1971, talvez para investigar Lin Biao e a sua tentativa golpe de Estado e assassinato de Mao, ou para substituir Zhou Enlai, que estava com câncer (WEATHERLEY, 2010, p. 112). Apesar de as fontes indiciarem motivos diferentes, é importante notar a ascensão de Hua, que passou de alguém muito pouco conhecido para o sucessor do líder supremo da China, Mao Zedong. 

 

Após a traição e morte de Lin Biao, Mao decidiu promover Hua Guofeng a número 2 do partido, nomeando-o assim como o seu sucessor. Fairbank e Goldman definem-no como “[...] o seu fiel seguidor, o insignificante Hua Guofeng, um chefe de segurança de Hunan.”(FAIRBANK; GOLDMAN, 2007, p. 371) Já segundo o médico de Mao, Zhisui Li,

 

Hua Guofeng, encarregado dos esforços para salvar a vida do Presidente, era genuinamente leal a Mao, profundamente preocupado com a sua saúde e conforto, conscienciosamente tentando entender as explicações dos médicos, confiando que estávamos fazendo tudo o que podíamos para salvar Mao. Quando recomendávamos procedimentos médicos novos e, às vezes, desconfortáveis, como passar um tubo pelo nariz de Mao e colocá-lo no estômago para alimentar-se, Hua Guofeng, o único entre os líderes, estava disposto a testar os novos procedimentos primeiro em si próprio. Conheci Hua Guofeng em 1959, durante o Grande Salto Adiante, quando acompanhei Mao em uma visita a sua aldeia natal de Shaoshan, na província de Hunan. Hua era o primeiro secretário do partido de Xiangtan, prefeitura onde a aldeia de Mao estava localizada, e Mao gostava enormemente dele. Dois anos depois, quando as autoridades locais continuaram a fingir que a produção de alimentos estava aumentando, mesmo quando o Grande Salto Adiante mergulhou o país em depressão econômica, Hua Guofeng teve a coragem de dizer que “as pessoas estão perdendo peso, o gado está perdendo peso, até a terra está perdendo peso. Como podemos falar sobre aumentos na produção?” “Ninguém mais diz a verdade como Hua Guofeng”, Mao disse-me então”(Li, Z, 2011).

 

Hua era uma aposta segura para manter o legado de Mao. Beneficiou-se com o fim na Revolução Cultural e jurou guiar-se pelo que ficou conhecido como “os dois quaisquer”, ou seja, jurou apoiar qualquer decisão e quaisquer diretrizes que o Presidente Mao desse (DREYER, 2012, p. 113). Este posicionamento iria colocá-lo em uma situação insustentável dentro do PCCh, que acabaria na tomada do poder por Deng Xiaoping. Deng discursou, aliás, em maio de 1977, sobre “os quaisquer”, criticando fortemente a tomada de posição na qual se deve seguir à risca o pensamento de Mao. Segundo Deng,

 

“Não podemos aplicar mecanicamente o que o camarada Mao Zedong disse sobre uma questão em particular a outra pergunta, o que ele disse em um determinado lugar a outro lugar, o que ele disse em um determinado momento, ou o que ele disse sob circunstâncias particulares a outras circunstâncias. O próprio camarada Mao Zedong disse repetidamente que algumas de suas próprias declarações estavam erradas. Ele disse que ninguém pode evitar cometer erros em seu trabalho a menos que não se faça nada. Ele também disse que Marx, Engels, Lênin e Stalin tinham cometido erros - caso contrário, por que eles corrigiam os seus próprios manuscritos repetidos vezes? A razão pela qual eles fizeram essas revisões foi que algumas das visões originalmente expressas não eram inteiramente corretas, perfeitas ou precisas. O camarada Mao Zedong disse que também cometera erros e que nunca houve uma pessoa cujas declarações fossem todas corretas ou que estivesse sempre absolutamente certa. Ele disse que se o trabalho de alguém fosse classificado como 70% de realizações e 30% de erros, tudo bem, e que ele mesmo ficaria muito feliz e satisfeito se as futuras gerações pudessem dar-lhe uma classificação de “70-30” após a sua morte” (DENG, 1977).

 

Enquanto Hua tentava ganhar apoio como o próximo líder, a Gangue dos Quatro, chefiada pela esposa de Mao, tinha outros planos. Para eles, a sucessão deveria recair sobre os seus membros, já que se julgavam os únicos capazes de continuar o projeto iniciado por Mao durante a Revolução Cultural. Jiang Qing, líder da Gangue dos Quatro e esposa de Mao, tinha medo de que a sua obra fosse colocada em causa. Após a sua morte, Jiang definiu-se como: “o cão do presidente Mao. Quem quer que ele me pedisse para morder, eu mordia”(CHANG, J.; HALLIDAY, 2006, p. 588). No ano da morte do Grande Timoneiro, ele escreveu uma carta para a sua esposa onde dizia:

 

“Tu foste enganada. [...] Hoje estamos separando-nos em dois mundos. Que cada um mantenha sua paz. Estas poucas palavras podem ser a minha última mensagem para ti. A vida humana é limitada, mas a Revolução não tem limites. Na luta dos últimos dez anos, tentei atingir o auge da revolução, mas não obtive êxito. Mas tu podes chegar ao topo. Se falhares, mergulharás em um abismo insondável. O teu corpo vai quebrar. Os teus ossos vão quebrar”. (WITKE, 1977, p. 478)

 

Jiang Qing começou a utilizar a carta de Mao como se fosse um testamento, fazendo circular pelos altos dirigentes do PCCh. Acreditava que era sua missão continuar o trabalho iniciado pelo seu marido. Do outro lado, grupos militares, com interesse na exploração de petróleo, também queriam chegar ao poder, mas representavam uma ameaça menor quando comparados à Gangue dos Quatro. A rápida ascensão de Hua enfureceu-os, sendo que planos para o tirar do poder começaram a ser delineados. 

 

Simultaneamente, a saúde de Mao continuou a deteriorar-se. Foi diagnosticado, em 1974, com esclerose lateral amiotrófica, perdendo gradualmente as suas capacidades motoras, inclusive a capacidade de alimentar-se autonomamente. A sua morte foi lenta e agonizante, precisando de cuidados intensivos e constantes. Não obstante, continuou lúcido até o fim, costumando ditar textos e recomendações.

 

Até então, o ano de 1976 tinha sido marcado por maus acontecimentos. O terremoto de Tangshan matou milhares de pessoas e deixou inúmeras desalojadas, Zhou Enlai morreu em janeiro e, segundo Fairbank e Goldman “todo camponês acreditava na relação umbilical entre homem e a natureza e, portanto, nas relações entre os desastres naturais e as calamidades humanas. Depois desse presságio tão aterrorizante, só outra calamidade poderia acontecer: a morte de Mao”(FAIRBANK; GOLDMAN, 2007, p. 371).

 

No dia 10 de setembro de 1976, a edição do New York Times publicava o anúncio da morte de Mao, feito pela imprensa chinesa:

 

“[...] O camarada Mao Zedong, o grande líder estimado e amado do nosso partido, do nosso exército e do povo de todas as nacionalidades do nosso país, o grande professor do proletariado internacional e das nações oprimidas e dos povos oprimidos, Presidente do Comité Central do Partido Comunista da China, Presidente da Comissão Militar do Comitê Central do Partido Comunista da China e Presidente Honorário do Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, faleceu às 00:10 horas de 9 de setembro de 1976, em Pequim, [...] por causa do agravamento de sua doença e apesar de todo tratamento, dos cuidados médicos meticulosos terem sido dados a ele em todos os sentidos, ele faleceu [...].

[...] O presidente Mao Zedong foi o fundador e líder sábio do Partido Comunista da China, do Exército de Libertação do Povo Chinês e da República Popular da China. [...] Liderado pelo Presidente Mao, o Partido Comunista da China desenvolveu-se através de um caminho tortuoso para tornar-se um glorioso e grande partido, seguindo o caminho correto marxista-leninista que hoje exerce a liderança sobre a República Popular da China.

[...] Ele dedicou todas as suas energias ao longo de sua vida à libertação do povo chinês, à emancipação das nações oprimidas e às pessoas oprimidas em todo o mundo e à causa do comunismo. Com a grande determinação de um revolucionário proletário, ele travou uma luta tenaz contra sua doença, continuando a liderar o trabalho de todo o partido, e todo o exército e toda a nação durante sua doença, lutando até seu último suspiro. [...]

[...] Que viva por muito tempo o invencível marxismo-leninismo e o pensamento de Mao Zedong!

Viva ao grande, glorioso e correto Partido Comunista da China!

Glória eterna ao nosso grande líder e professor Mao Zedong!” (1976)

 

A ascensão do novo líder

Com a morte de Mao Zedong, começou a haver questionamentos sobre qual caminho deveria ser seguido. Por um lado, havia a possibilidade de romper com o maoísmo, e, por outro, continuar o legado de Mao Zedong. As opiniões dividiam-se de maneira geral, entre os revolucionários, que defendiam o maoísmo e o legado de Mao, e entre os reformistas, que advogavam por uma ruptura com o pensamento do Presidente Mao e ansiavam por um novo caminho para a reforma política e econômica. No meio desta divisão, Hua tentava ter uma posição conciliadora e que lhe permitisse ter o apoio dos diversos grupos. De acordo com Dreyer,

 

A aceitabilidade de Hua em vários grupos como candidato de harmonização era, de certa forma, um risco em vez de uma vantagem: ele enfrentava a reconciliação de demandas muitas vezes incompatíveis de todo o espectro político e corria o risco de ser atacado de todas as direções por aqueles que não podia satisfazer. Por exemplo, as vítimas da Revolução Cultural e outros ataques de inspiração esquerdista exigiam um completo repúdio a essas políticas e a reintegração de seu status de antes das purgas. Ao mesmo tempo, aqueles que haviam lucrado com as campanhas resistiram fortemente aos ataques ao sistema maoísta, temendo que seu próprio status se deteriorasse (DREYER, 2012, p. 114).

 

Enquanto isso, em 1977, Deng Xiaoping volta novamente a ser reinstituído por Hua. Este foi um ano difícil, tanto pela morte, no ano anterior, de Mao que gerou uma grande instabilidade política, como pela prisão do Gangue dos Quatro, depois de uma tentativa de golpe de estado apoiado pelas milícias urbanas. Felizmente para Hua, o exército estava do seu lado e quando o Gangue dos Quatro atacou, foram esmagados por este.

 

Uma das exigências feitas à Deng Xiaoping para que voltasse à cena política foi o reconhecimento de Hua como o novo líder, fazendo-o assinar um documento mostrando o seu apoio (DREYER, 2012, p. 114). No entanto, Deng tinha um prestígio enorme dentre do partido e perante a nação. Hua continuava a ser alguém pouco conhecido, mesmo depois de todas as campanhas feitas para o seu reconhecimento como o novo líder chinês. Aproveitando-se desta situação, Deng, iniciou a sua ascensão de forma imediata, usando a sua posição e influência para aumentar gradualmente o seu poder. Paralelamente, chamou os seus apoiantes para ocuparem cargos e para virem para Beijing. A tomada completa do poder foi apenas uma questão de tempo. Para a autora Dreyer,

 

Além de transferir seu pessoal das províncias para o centro, Deng consolidou o seu poder em áreas onde ele e o seu mentor, Zhou Enlai, eram mais fortes, como no Ministério das Relações Exteriores. Ele reabilitou quadros anteriormente expurgados, ganhando assim a gratidão e, presumivelmente, a fidelidade dos apoiadores marginalizados de Hua. Hua tentou revidar, envolvendo-se no manto da legitimidade maoísta e fazendo com que histórias que mostrassem seu amor pelo povo e seus laços com Mao aparecessem regularmente na imprensa oficial. Observadores notaram que até mesmo o seu cabelo passou a ser penteado no mesmo estilo de Mao. (DREYER, 2012, p. 115)

 

O primeiro grande sinal de mudança política de Deng e a sua ascensão à liderança do PCCh (apesar de Hua ficar formalmente no poder até 1981) deu-se durante a Terceira Sessão Plenária da Reunião do Décimo Primeiro Comitê Central, em 1978. Entre o dia 18 a 22 de dezembro, lançavam-se as bases da nova geração de liderança chinesa, com uma maior abertura econômica, aproximação internacional a países com os EUA, descentralização da produção rural e modernização do socialismo chinês. Desta forma, Hua foi colocado de lado, mesmo ocupando os cargos mais importantes, emergindo o novo líder da RPC, Deng Xiaoping, que viria a nomear o “socialismo com características chinesas”.  Apesar de não haver uma definição concreta do que isso significa e o próprio Deng abordar o conceito por vários ângulos diferentes, adotamos a versão do Décimo Segundo Congresso do Partido, que ocorreu em 1982. Assim,

 

Ao executar nosso programa de modernização, devemos partir da realidade chinesa. Tanto na revolução quanto na construção, devemos também aprender com os países estrangeiros e basear-nos em suas experiências, mas a cópia mecânica e a aplicação de experiências e modelos estrangeiros não nos levarão a parte alguma. Nós tivemos muitas lições a esse respeito. Devemos integrar a verdade universal do marxismo com as realidades concretas da China, abrir o nosso próprio caminho e construir um socialismo com características chinesas - essa é a conclusão básica a que chegamos depois de revisar a nossa longa experiência histórica (SULLIVAN, 2012, p. 261).

 

Considerações finais

A transição da primeira para a segunda geração de liderança do PCCh foi turbulenta na medida em que não havia um modelo prévio definido. Até então, a RPC só tinha tido um líder, Mao Zedong, e o modelo de transição a seguir estava por ser definido. Igualmente, a ruptura no poder causado pela morte de Mao gerou um vazio no poder que foi difícil preencher, mesmo após a nomeação de Hua por Mao, antes da sua morte.

 

Ao longo da sua trajetória, Deng manteve-se fiel aos princípios do comunismo, mas deu-lhe mais pragmatismo e flexibilidade na vertente econômica. Um dos contributos mais significativos do pensamento de Deng Xiaoping é o seu desejo de construir o socialismo com características chineses.

 

Três aspectos, apesar de haver outros, afastavam-no de Mao. O primeiro era a sua crença nos fatores econômicos como o principal motivador da estabilidade política. O segundo, era que deveria existir menos interferência em aspectos da vida pessoal, algo que Mao procurava controlar completamente. Em terceiro, Deng não ocupava os principais cargos políticos, tendo escolhido “instalar os seus protégés nas primeiras posições do partido e do governo, em vez de assumir qualquer uma das posições” (DREYER, 2012, p.120). O cargo de Primeiro Ministro foi dado a Zhao Ziyang, sendo que Deng ocupou, no início, o cargo de Presidente da Comissão Central Militar. No entanto, após a sua situação política estar estável, passou o cargo para Qin Jiwei.

 

Deng foi, até a sua morte, o líder da segunda geração da RPC, mesmo apesar de não ocupar o cargo formalmente. Hua foi substituído, formalmente, por Zhao Ziyang. O fato de ser da geração original e de ter ocupado quase sempre posições extremamente importantes dentro do partido e à frente do destino do país, fizeram-no um dos líderes mais importantes da história contemporânea chinesa. O seu principal legado foram as mudanças nas políticas econômicas que começaram a construir o que a China é atualmente, a segunda maior economia mundial. Para concluir, nas palavras de Deng, 

 

“Não existe, na China, uma facção que rejeite absolutamente a reforma. No passado, algumas pessoas do estrangeiro classificaram-me como reformista e outras como conservador. É verdade que sou reformista. Mas se defender os Quatro Princípios Cardeais [1] significa ser um conservador, então eu também sou um conservador. Portanto, não sou nem reformista nem conservador. Pode-se dizer, mais precisamente, que sou da “escola da verdade dos fatos.” (LI, K., 1995, p. 413)

 

Como afirma Sullivan, “embora formalmente Deng fosse apenas o presidente da Comissão Militar Central até novembro de 1989, permaneceu o líder máximo da China até a sua morte, em fevereiro de 1997” (FAIRBANK; GOLDMAN, 2007, p. 372). O apoio a Deng assentava no falhanço de várias políticas seguidas pela geração anterior, mas, sobretudo, pela linha moderada que adotou, uma das vítimas da Revolução Cultural. À medida que os membros expurgados voltavam a ser reabilitados, mais ênfase era dada em “[...] políticas pragmáticas, em vez de ideológicas. Essa mudança expressava-se na frase que Mao de forma negativa atribuirá a Deng Xiaoping durante a Revolução Cultural: “Não importa se o gato é preto ou branco, desde que cace ratos.” (FAIRBANK; GOLDMAN, 2007, p. 372)

 

Referências

Daniele Prozczinski, Investigadora Associada do CHAM – Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade dos Açores. Coordenadora do subgrupo de pesquisa: Formas de Representação e Governo. Doutora em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa. Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Católica Portuguesa. Áreas de interesse de pesquisa: História da China contemporânea, Cartazes de Propaganda, Propaganda Política, História das Mulheres, Relações Internacionais e Política Internacional.

 

Nota [1]: O primeiro princípio era o respeito pelo pensamento marxista-leninista-maoísta. O segundo, era seguir o caminho socialista. O terceiro, a Ditadura Democrática do Povo e, o quarto, a supremacia do PCCh.

 

CHANG, D. W. China under Deng Xiaoping: political and economic reform. Basingstoke: Macmillan, 1988. ISBN: 978-0-333-45129-8.

CHANG, J.; HALLIDAY, J. Mao: a história desconhecida. São Paulo: Companhia Das Letras, 2006. ISBN: 978-85-359-0873-2.

DENG, X. Speech at the Mobilization Meeting on Rectification in the Party School of the Northern Bureau. In: The Selected Works of Deng Xiaoping. [s.l.]: [s.n.], 1943. Disponível em: <https://dengxiaopingworks.wordpress.com/2013/02/22/speech-at-the-mobilization-meeting-on-rectification-in-the-party-school-of-the-northern-bureau/>. Acesso em: 12/maio/18.

______. The “Two Whatevers” Do Not Accord With Marxism. In: The Selected Works of Deng Xiaoping. [s.l.]: [s.n.], 1977. Disponível em: <https://dengxiaopingworks.wordpress.com/2013/02/25/the-two-whatevers-do-not-accord-with-marxism/>. Acesso em: 12/jan./18.

______. Realize the Four Modernizations and Never Seek Hegemony. In: The Selected Works of Deng Xiaoping. [s.l.]: [s.n.], 1978. Disponível em: <https://dengxiaopingworks.wordpress.com/2013/02/25/realize-the-four-modernizations-and-never-seek-hegemony/>. Acesso em: 12/jan./18.

______. The Present Situation and the Tasks Before Us. In: The Selected Works of Deng Xiaoping. [s.l.]: [s.n.], 1980. Disponível em: <https://dengxiaopingworks.wordpress.com/2013/02/25/the-present-situation-and-the-tasks-before-us/>. Acesso em: 11/maio/18.

______. One Country, Two Systems. In: The Selected Works of Deng Xiaoping. [s.l.]: [s.n.], 1984. Disponível em: <https://dengxiaopingworks.wordpress.com/2013/03/08/one-country-two-systems/>. Acesso em: 12/jan./18.

DREYER, J. T. China’s Political System: Modernization and Tradition. 8th ed ed. Boston: Pearson Longman, 2012. 377 p. ISBN: 978-0-205-00581-9.

FAIRBANK, J. K.; GOLDMAN, M. China - uma nova história. In: MOTA, M. (trad.). 2a ed. Porto Alegre: L&PM, 2007.

GOODMAN, D. S. G. Deng Xiaoping and the Chinese revolution: a political biography. London ; New York: Routledge, 1994. 209 p. ISBN: 978-0-415-11252-9.

LAMPTON, D. M. Following the leader: ruling China, from Deng Xiaoping to Xi Jinping. Berkeley: University of California Press, 2014. 293 p. ISBN: 978-0-520-28121-9.

LI, K. A glossary of political terms of the People’s Republic of China. Shatin, N.T., Hong Kong: Chinese University Press, 1995. 639 p. ISBN: 978-962-201-615-6.

LI, Z. The private life of Chairman Mao: the memoirs of Mao’s personal physician. In: TAI, H. (trad.). New York: Random House, 2011. ISBN: 978-0-307-79139-9.

MEISNER, M. J. The Deng Xiaoping era: an inquiry into the fate of Chinese socialism, 1978-1994. 1st ed ed. New York: Hill and Wang, 1996. 544 p. ISBN: 978-0-8090-7815-8.

OLIVEIRA, A. P. De. Governando a China: a quarta geração de dirigentes assume o controle da modernização. Revista Brasileira de Política Internacional, [s.l.], v. 46, no 2, p. 138–160, 2003. ISSN: 0034-7329, DOI: 10.1590/S0034-73292003000200006.

PANTSOV, A.; LEVINE, S. I. Deng Xiaoping: A Revolutionary Life. Oxford: Oxford University Press, 2015. 610 p. ISBN: 978-0-19-939203-2.

SULLIVAN, L. R. Historical dictionary of the Chinese Communist Party. Lanham, Md: Scarecrow Press, 2012. 361 p. ISBN: 978-0-8108-7225-7.

VAZ-PINTO, R. A grande muralha e o legado de Tiananmen. Lisboa: Tinta da China, 2010. ISBN: 978-989-671-058-3.

VOGEL, E. F. Deng Xiaoping and the transformation of China. Cambridge, Mass: Belknap Press of Harvard University Press, 2011. 876 p. ISBN: 978-0-674-05544-5.

WEATHERLEY, R. Mao’s forgotten successor: the political career of Hua Guofeng. 1st ed ed. New York: Palgrave Macmillan, 2010. 203 p. ISBN: 978-0-230-54247-1.

WITKE, R. Comrade Chiang Chʻing. 1st ed ed. Boston: Little, Brown, 1977. 549 p. ISBN: 978-0-316-94900-2.

WORLD BANK. GDP (current US$) China| Data. [s.d.]. Disponível em: <https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD?end=2017&locations=CN&start=1960&view=chart>. Acesso em: 13/jul./18.

YAN, C. O Despertar da China: as mudanças intelectuais após Mao 1976-2002. In: SILVA, A. P. (trad.). Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

ZHANG, H.; QI, P. Quick access to the People’s Republic of China: the first sixty years (1949-2009). 1st ed ed. Beijing: Foreign Languages Press, 2010. 20 p. ISBN: 978-7-119-05990-7.

Deng Xiaoping. [s.d.]. Disponível em:

<http://en.people.cn/data/people/dengxiaoping.shtml>. Acesso em: 11/jul./18.

4 comentários:

  1. Olá, Daniele. Primeiramente, gostaria de te parabenizar pelo texto, ficou muito esclarecedor e você apresentou as argumentações de maneira clara e direta. Ao ler o seu texto me deparei com a seguinte questão: você consideraria a transição de Mao para o Deng como uma ruptura? E, se Deng permaneceu fiel aos princípios do comunismo tal como você diz, você consideraria o "Socialismo com Características Chinesas" um acidente de percurso?

    Rodrigo Fernandes Vicente

    ResponderExcluir
  2. Caro Rodrigo, bom dia.

    Muito obrigada pela leitura do texto e pelas suas pertinentes questões.

    Referente à primeira questão, não considero que tenha havido uma ruptura entre a primeira e a segunda geração de liderança, até porque Deng e Mao seguiram o mesmo processo revolucionário e são ambos da geração da Longa Marcha. No entanto, o que não havia era um modelo de transição de liderança definida, daí a escolha da palavra "turbulenta". Com a morte de Mao, era a primeira vez que haveria outro líder na RPC e apesar dele ter nomeado Hua com o seu sucessor, sabemos que não foi quem se consolidou no poder.
    Sobre a segunda pergunta, não considero de todo que o "socialismo com características chinesas" tenha sido um acidente de percurso, muito pelo contrário. Deng era conhecido pelo seu pragmatismo e o que ele fez foi adaptar e justificar um modelo de socialismo que fazia mais sentido para a realidade chinesa e que lhe permitia implementar a modernização económica do país.
    Apesar de Deng nunca ter dado uma definição concreta do que era o socialismo com características chinesas, coloco aqui o que disse a respeito no Décimo Segundo Congresso do Partido, que ocorreu em 1982:

    "Ao executar nosso programa de modernização, devemos partir da realidade chinesa. Tanto na revolução quanto na construção, devemos também aprender com os países estrangeiros e basear-nos em suas experiências, mas a cópia mecânica e a aplicação de experiências e modelos estrangeiros não nos levarão a parte alguma. Nós tivemos muitas lições a esse respeito. Devemos integrar a verdade universal do marxismo com as realidades concretas da China, abrir o nosso próprio caminho e construir um socialismo com características chinesas - essa é a conclusão básica a que chegamos depois de revisar a nossa longa experiência histórica."


    Daniele Prozczinski

    ResponderExcluir
  3. Cara Daniele,
    Excelente e esclarecedor texto sobre as tensões que permeavam o partido comunista chinês. Muito revelador como o senso comum ocidental [o brasileiros, em particular] acreditava no partido como uma entidade monolítica, sem dissensões ou conflitos internos. Minha pergunta se conecta nesse aspecto: os eventos políticos de 1989, no seu entender, reverberam dessas divisões e conflitos com a figura de Deng, no nível interno do partido? E ainda: em sua opinião, incidentes como o da praça Tiananmen serviram para capitalizar o apoio do partido a Deng?
    Parabéns pelo trabalho!
    saudações,
    André Bueno

    ResponderExcluir
  4. Caro André Bueno,

    Muito obrigada pelos seus comentários, leitura do texto e pelas perguntas. Vou tentar ser breve pois só agora consegui vir responder à pergunta.
    Os conflitos internos perduraram e dividiam-se entre que caminho seguir após a morte de Mao: apenas política, económico ou ambos. Eu trabalho com propaganda e tenho grande interesse em fazer a análise das campanhas no seu contexto histórico e cito a dos Quatro Princípios Cardeais, lançada por Deng exatamente com o intuito de voltar a obter um maior apoio do partido e do povo. Tiananmen mostrou que Deng faria o que fosse preciso para manter o controle do país e quebrou, no meu ponto de vista, com a espectativa que muitos tinham sobre uma reforma de cariz também político. É interessante também analisar os discursos de Deng antes de chegar ao poder e depois, pois nota-se uma flexibilização em alguns aspectos, que parecia indicar uma maior abertura política, mas que depois foram completamente esmagados pelos acontecimentos em Tiananmen. Seguiu-se também uma "dança de cadeiras", onde foram tirados do partido os que não estavam totalmente de acordo com a visão de Deng sobre o que deveria ser o futuro da RPC. Assim, parece-me que ajudaram a dissipar as esperanças de uma reforma política e consolidar o caminho que Deng via para a China, acabando por consolidar a sua base de apoio, pois também ficou evidente que não haveria outro caminho possível.

    Daniele Prozczinski

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.