A SEGUNDA GERAÇÃO DE LIDERANÇA DO PARTIDO COMUNISTA CHINÊS: A TURBULENTA CHEGADA AO PODER DE DENG XIAOPING
Este capítulo tem por objetivo descrever o processo de transição da
liderança da primeira geração do Partido Comunista Chinês (PCCh) para a
segunda. Desta forma, o capítulo divide-se em três partes, sendo a primeira uma
introdução sobre o contexto político chinês no período que antecede a morte do
seu líder, Mao Zedong. Na segunda parte, discutir-se-á como ocorreu a ascensão
de Deng Xiaoping à liderança do PCCh e, por fim, apresentam-se algumas
considerações finais.
Introdução: o contexto político chinês após a morte de Mao Zedong
Durante o Décimo Congresso do Partido Comunista, que aconteceu em agosto
de 1973, alguns membros do PCCh foram reabilitados, incluindo Deng Xiaoping. Em
um breve período e com o apoio de Zhou Enlai, Deng subiu, nova e rapidamente,
na hierarquia do partido. O diagnóstico de câncer de Zhou Enlai fez com que ele
se preocupasse em colocar alguém de uma linha mais moderada no poder, vendo em
Deng essa possibilidade.
Em 1975, Deng chegou ao número 3 do PCCh, sendo Mao o número 1 e Zhou
Enlai o número 2. No entanto, a sua ascensão não iria durar muito tempo. No
Festival Qingming, que ocorreu após a morte de Zhou Enlai, em abril de 1976, várias pessoas
foram mortas e muitas ficaram feridas durante a manifestação na Praça
Celestial. A reunião dos manifestantes homenageava também Zhou, uma vez que,
“aos olhos da população, ele representava, durante o longo período da Revolução
Cultural, a moderação, a honestidade, e o equilíbrio, e impediu o país de se
comprometer com a linha radical preconizada por Jiang Qing, a esposa de Mao, e
os seus companheiros”(YAN, 2002, p.
26). Como houve
críticas a Mao durante este festival, Deng Xiaoping foi acusado de instigar a
manifestação e foi retirado de todos os cargos que ocupava (DREYER, 2012,
p. 11). Paralelamente,
a saúde de Mao deteriorava-se rapidamente e o líder chinês queria encontrar
alguém que respondesse aos seus objetivos e continuasse o processo revolucionário
na China.
De acordo com Roderick
Macfarquhar e Leroy B. Williams, dividiam-se em três os grupos que poderiam vir
a substituir Mao: os radicais, os sobreviventes e os beneficiários da Revolução
Cultural. Os radicais eram o grupo de extrema esquerda responsável pela
Revolução Cultural. Os sobreviventes, como o próprio nome indica, conseguiram
manter-se no poder durante os turbulentos anos da Revolução Cultural. Por fim,
os beneficiários eram os que conseguiram subir rapidamente na hierarquia do
PCCh e, à medida que ascendiam, retiravam outros membros (MACFARQUHAR;
WILLIAMS, 1997, pp.336-339). Para Mao, no entanto, a escolha do seu sucessor
era difícil. Sabia, igualmente, que seria complicado conseguir apoio para alguém que estivesse ligado ao radicalismo da
Revolução Cultural, precisando, deste modo, de encontrar possíveis aspirantes
em outros lugares.
Foi neste contexto que Wang Hongwen foi trazido de Shangai para Beijing,
em 1972, subindo em pouco tempo dentro da hierarquia do partido, sendo, por
esse motivo, chamado de “foguete”(LI, Z., 2011,
p. 37). Wang era jovem, tinha apenas 36 anos, e desempenhou um papel
importante na Revolução de Janeiro de Shangai. Mao acreditava que, pela sua
juventude, iria conquistar os mais jovens e pelo seu trabalho desenvolvido até
então, os trabalhadores. Hua Guofeng, futuro escolhido de Mao, também foi
trazido nesta altura para Beijing. De fato, Hua não tinha o prestígio de Deng
Xiaoping ou de Zhou Enlai. Era alguém pouco conhecido e que foi selecionado
pela sua rigidez no seguimento dos ditames do Grande Timoneiro. De acordo com
Robert Weatherley, Hua é o sucessor esquecido de Mao (WEATHERLEY,
2010), “era
praticamente desconhecido dentro de círculos sêniors do partido, depois de mais
de duas décadas de relativo anonimato em Hunan” (WEATHERLEY,
2010, p. 112). Segundo o mesmo autor, veio para Beijing em 1971, talvez para
investigar Lin Biao e a sua tentativa golpe de Estado e assassinato de Mao, ou
para substituir Zhou Enlai, que estava com câncer (WEATHERLEY,
2010, p. 112). Apesar de as fontes indiciarem motivos diferentes, é importante notar
a ascensão de Hua, que passou de alguém muito pouco conhecido para o sucessor
do líder supremo da China, Mao Zedong.
Após a traição e morte de Lin Biao, Mao decidiu promover Hua Guofeng a
número 2 do partido, nomeando-o assim como o seu sucessor. Fairbank e Goldman
definem-no como “[...] o seu fiel seguidor, o insignificante Hua Guofeng, um
chefe de segurança de Hunan.”(FAIRBANK;
GOLDMAN, 2007, p. 371) Já segundo o médico de Mao, Zhisui Li,
“Hua
Guofeng, encarregado dos esforços para salvar a vida do Presidente, era
genuinamente leal a Mao, profundamente preocupado com a sua saúde e conforto,
conscienciosamente tentando entender as explicações dos médicos, confiando que
estávamos fazendo tudo o que podíamos para salvar Mao. Quando recomendávamos
procedimentos médicos novos e, às vezes, desconfortáveis, como passar um tubo
pelo nariz de Mao e colocá-lo no estômago para alimentar-se, Hua Guofeng, o
único entre os líderes, estava disposto a testar os novos procedimentos
primeiro em si próprio. Conheci Hua Guofeng em 1959, durante o Grande Salto
Adiante, quando acompanhei Mao em uma visita a sua aldeia natal de Shaoshan, na
província de Hunan. Hua era o primeiro secretário do partido de Xiangtan,
prefeitura onde a aldeia de Mao estava localizada, e Mao gostava enormemente
dele. Dois anos depois, quando as autoridades locais continuaram a fingir que a
produção de alimentos estava aumentando, mesmo quando o Grande Salto Adiante
mergulhou o país em depressão econômica, Hua Guofeng teve a coragem de dizer
que “as pessoas estão perdendo peso, o gado está perdendo peso, até a terra
está perdendo peso. Como podemos falar sobre aumentos na produção?” “Ninguém
mais diz a verdade como Hua Guofeng”, Mao disse-me então”(Li, Z, 2011).
Hua era uma aposta segura para manter o legado de Mao. Beneficiou-se com
o fim na Revolução Cultural e jurou guiar-se pelo que ficou conhecido como “os
dois quaisquer”, ou seja, jurou apoiar qualquer decisão e quaisquer diretrizes
que o Presidente Mao desse (DREYER, 2012,
p. 113). Este posicionamento iria colocá-lo em uma situação insustentável
dentro do PCCh, que acabaria na tomada do poder por Deng Xiaoping. Deng
discursou, aliás, em maio de 1977, sobre “os quaisquer”, criticando fortemente
a tomada de posição na qual se deve seguir à risca o pensamento de Mao. Segundo
Deng,
“Não
podemos aplicar mecanicamente o que o camarada Mao Zedong disse sobre uma
questão em particular a outra pergunta, o que ele disse em um determinado lugar
a outro lugar, o que ele disse em um determinado momento, ou o que ele disse
sob circunstâncias particulares a outras circunstâncias. O próprio camarada Mao
Zedong disse repetidamente que algumas de suas próprias declarações estavam
erradas. Ele disse que ninguém pode evitar cometer erros em seu trabalho a
menos que não se faça nada. Ele também disse que Marx, Engels, Lênin e Stalin
tinham cometido erros - caso contrário, por que eles corrigiam os seus próprios
manuscritos repetidos vezes? A razão pela qual eles fizeram essas revisões foi
que algumas das visões originalmente expressas não eram inteiramente corretas,
perfeitas ou precisas. O camarada Mao Zedong disse que também cometera erros e
que nunca houve uma pessoa cujas declarações fossem todas corretas ou que
estivesse sempre absolutamente certa. Ele disse que se o trabalho de alguém
fosse classificado como 70% de realizações e 30% de erros, tudo bem, e que ele
mesmo ficaria muito feliz e satisfeito se as futuras gerações pudessem dar-lhe
uma classificação de “70-30” após a sua morte” (DENG, 1977).
Enquanto Hua tentava ganhar apoio como o próximo líder, a Gangue dos
Quatro, chefiada pela esposa de Mao, tinha outros planos. Para eles, a sucessão
deveria recair sobre os seus membros, já que se julgavam os únicos capazes de
continuar o projeto iniciado por Mao durante a Revolução Cultural. Jiang Qing,
líder da Gangue dos Quatro e esposa de Mao, tinha medo de que a sua obra fosse
colocada em causa. Após a sua morte, Jiang definiu-se como: “o cão do
presidente Mao. Quem quer que ele me pedisse para morder, eu mordia”(CHANG, J.;
HALLIDAY, 2006, p. 588). No ano da morte do Grande Timoneiro, ele escreveu uma carta para a sua
esposa onde dizia:
“Tu foste
enganada. [...] Hoje estamos separando-nos em dois mundos. Que cada um mantenha
sua paz. Estas poucas palavras podem ser a minha última mensagem para ti. A
vida humana é limitada, mas a Revolução não tem limites. Na luta dos últimos
dez anos, tentei atingir o auge da revolução, mas não obtive êxito. Mas tu
podes chegar ao topo. Se falhares, mergulharás em um abismo insondável. O teu
corpo vai quebrar. Os teus ossos vão quebrar”. (WITKE, 1977, p.
478)
Jiang Qing começou a utilizar a carta de Mao como se fosse um
testamento, fazendo circular pelos altos dirigentes do PCCh. Acreditava que era
sua missão continuar o trabalho iniciado pelo seu marido. Do outro lado, grupos
militares, com interesse na exploração de petróleo, também queriam chegar ao
poder, mas representavam uma ameaça menor quando comparados à Gangue dos
Quatro. A rápida ascensão de Hua enfureceu-os, sendo que planos para o tirar do
poder começaram a ser delineados.
Simultaneamente, a saúde de Mao continuou a deteriorar-se. Foi
diagnosticado, em 1974, com esclerose lateral amiotrófica, perdendo
gradualmente as suas capacidades motoras, inclusive a capacidade de
alimentar-se autonomamente. A sua morte foi lenta e agonizante, precisando de cuidados
intensivos e constantes. Não obstante, continuou lúcido até o fim, costumando
ditar textos e recomendações.
Até então, o ano de 1976 tinha sido marcado por maus acontecimentos. O
terremoto de Tangshan matou milhares de pessoas e deixou inúmeras desalojadas,
Zhou Enlai morreu em janeiro e, segundo Fairbank e Goldman “todo camponês
acreditava na relação umbilical entre homem e a natureza e, portanto, nas
relações entre os desastres naturais e as calamidades humanas. Depois desse
presságio tão aterrorizante, só outra calamidade poderia acontecer: a morte de
Mao”(FAIRBANK;
GOLDMAN, 2007, p. 371).
No dia 10 de setembro de 1976, a edição do New York Times publicava o anúncio da morte de Mao, feito pela
imprensa chinesa:
“[...] O camarada Mao
Zedong, o grande líder estimado e amado do nosso partido, do nosso exército e
do povo de todas as nacionalidades do nosso país, o grande professor do
proletariado internacional e das nações oprimidas e dos povos oprimidos,
Presidente do Comité Central do Partido Comunista da China, Presidente da
Comissão Militar do Comitê Central do Partido Comunista da China e Presidente
Honorário do Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês,
faleceu às 00:10 horas de 9 de setembro de 1976, em Pequim, [...] por causa do
agravamento de sua doença e apesar de todo tratamento, dos cuidados médicos
meticulosos terem sido dados a ele em todos os sentidos, ele faleceu [...].
[...] O
presidente Mao Zedong foi o fundador e líder sábio do Partido Comunista da
China, do Exército de Libertação do Povo Chinês e da República Popular da
China. [...] Liderado pelo Presidente Mao, o Partido Comunista da China
desenvolveu-se através de um caminho tortuoso para tornar-se um glorioso e
grande partido, seguindo o caminho correto marxista-leninista que hoje exerce a
liderança sobre a República Popular da China.
[...] Ele
dedicou todas as suas energias ao longo de sua vida à libertação do povo
chinês, à emancipação das nações oprimidas e às pessoas oprimidas em todo o
mundo e à causa do comunismo. Com a grande determinação de um revolucionário
proletário, ele travou uma luta tenaz contra sua doença, continuando a liderar
o trabalho de todo o partido, e todo o exército e toda a nação durante sua
doença, lutando até seu último suspiro. [...]
[...] Que viva
por muito tempo o invencível marxismo-leninismo e o pensamento de Mao Zedong!
Viva ao grande,
glorioso e correto Partido Comunista da China!
Glória eterna ao
nosso grande líder e professor Mao Zedong!” (1976)
A ascensão do
novo líder
Com a morte de
Mao Zedong, começou a haver questionamentos sobre qual caminho deveria ser
seguido. Por um lado, havia a possibilidade de romper com o maoísmo, e, por
outro, continuar o legado de Mao Zedong. As opiniões dividiam-se de maneira
geral, entre os revolucionários, que defendiam o maoísmo e o legado de Mao, e
entre os reformistas, que advogavam por uma ruptura com o pensamento do
Presidente Mao e ansiavam por um novo caminho para a reforma política e
econômica. No meio desta divisão, Hua tentava ter uma posição conciliadora e
que lhe permitisse ter o apoio dos diversos grupos. De acordo com Dreyer,
A aceitabilidade
de Hua em vários grupos como candidato de harmonização era, de certa forma, um
risco em vez de uma vantagem: ele enfrentava a reconciliação de demandas muitas
vezes incompatíveis de todo o espectro político e corria o risco de ser atacado
de todas as direções por aqueles que não podia satisfazer. Por exemplo, as
vítimas da Revolução Cultural e outros ataques de inspiração esquerdista exigiam
um completo repúdio a essas políticas e a reintegração de seu status de antes
das purgas. Ao mesmo tempo, aqueles que haviam lucrado com as campanhas
resistiram fortemente aos ataques ao sistema maoísta, temendo que seu próprio
status se deteriorasse (DREYER, 2012,
p. 114).
Enquanto isso,
em 1977, Deng Xiaoping volta novamente a ser reinstituído por Hua. Este foi um
ano difícil, tanto pela morte, no ano anterior, de Mao que gerou uma grande
instabilidade política, como pela prisão do Gangue dos Quatro, depois de uma
tentativa de golpe de estado apoiado pelas milícias urbanas. Felizmente para
Hua, o exército estava do seu lado e quando o Gangue dos Quatro atacou, foram
esmagados por este.
Uma das
exigências feitas à Deng Xiaoping para que voltasse à cena política foi o
reconhecimento de Hua como o novo líder, fazendo-o assinar um documento
mostrando o seu apoio (DREYER, 2012,
p. 114). No entanto,
Deng tinha um prestígio enorme dentre do partido e perante a nação. Hua
continuava a ser alguém pouco conhecido, mesmo depois de todas as campanhas
feitas para o seu reconhecimento como o novo líder chinês. Aproveitando-se
desta situação, Deng, iniciou a sua ascensão de forma imediata, usando a sua
posição e influência para aumentar gradualmente o seu poder. Paralelamente,
chamou os seus apoiantes para ocuparem cargos e para virem para Beijing. A
tomada completa do poder foi apenas uma questão de tempo. Para a autora Dreyer,
Além de
transferir seu pessoal das províncias para o centro, Deng consolidou o seu
poder em áreas onde ele e o seu mentor, Zhou Enlai, eram mais fortes, como no
Ministério das Relações Exteriores. Ele reabilitou quadros anteriormente
expurgados, ganhando assim a gratidão e, presumivelmente, a fidelidade dos
apoiadores marginalizados de Hua. Hua tentou revidar, envolvendo-se no manto da
legitimidade maoísta e fazendo com que histórias que mostrassem seu amor pelo
povo e seus laços com Mao aparecessem regularmente na imprensa oficial.
Observadores notaram que até mesmo o seu cabelo passou a ser penteado no mesmo
estilo de Mao. (DREYER, 2012,
p. 115)
O primeiro grande
sinal de mudança política de Deng e a sua ascensão à liderança do PCCh (apesar
de Hua ficar formalmente no poder até 1981) deu-se durante a Terceira Sessão Plenária da Reunião do Décimo Primeiro Comitê
Central, em 1978. Entre o dia 18 a 22 de dezembro, lançavam-se as bases da nova
geração de liderança chinesa, com uma maior abertura econômica, aproximação
internacional a países com os EUA, descentralização da produção rural e
modernização do socialismo chinês. Desta forma, Hua foi colocado de lado, mesmo
ocupando os cargos mais importantes, emergindo o novo líder da RPC, Deng
Xiaoping, que viria a nomear o “socialismo com características chinesas”. Apesar de não
haver uma definição concreta do que isso significa e o próprio Deng abordar o
conceito por vários ângulos diferentes, adotamos a versão do Décimo Segundo
Congresso do Partido, que ocorreu em 1982. Assim,
Ao executar
nosso programa de modernização, devemos partir da realidade chinesa. Tanto na
revolução quanto na construção, devemos também aprender com os países
estrangeiros e basear-nos em suas experiências, mas a cópia mecânica e a
aplicação de experiências e modelos estrangeiros não nos levarão a parte
alguma. Nós tivemos muitas lições a esse respeito. Devemos integrar a verdade
universal do marxismo com as realidades concretas da China, abrir o nosso
próprio caminho e construir um socialismo com características chinesas - essa é
a conclusão básica a que chegamos depois de revisar a nossa longa experiência
histórica (SULLIVAN, 2012,
p. 261).
Considerações finais
A transição da primeira para a segunda geração de liderança do PCCh foi
turbulenta na medida em que não havia um modelo prévio definido. Até então, a
RPC só tinha tido um líder, Mao Zedong, e o modelo de transição a seguir estava
por ser definido. Igualmente, a ruptura no poder causado pela morte de Mao
gerou um vazio no poder que foi difícil preencher, mesmo após a nomeação de Hua
por Mao, antes da sua morte.
Ao longo da sua trajetória, Deng manteve-se fiel aos princípios do
comunismo, mas deu-lhe mais pragmatismo e flexibilidade na vertente econômica.
Um dos contributos mais significativos do pensamento de Deng Xiaoping é o seu
desejo de construir o socialismo com características chineses.
Três aspectos,
apesar de haver outros, afastavam-no de Mao. O primeiro era a sua crença nos
fatores econômicos como o principal motivador da estabilidade política. O
segundo, era que deveria existir menos interferência em aspectos da vida
pessoal, algo que Mao procurava controlar completamente. Em terceiro, Deng não
ocupava os principais cargos políticos, tendo escolhido “instalar os seus protégés nas primeiras posições do
partido e do governo, em vez de assumir qualquer uma das posições” (DREYER,
2012, p.120). O cargo de Primeiro Ministro foi dado a Zhao Ziyang, sendo que
Deng ocupou, no início, o cargo de Presidente da Comissão Central Militar. No
entanto, após a sua situação política estar estável, passou o cargo para Qin Jiwei.
Deng foi, até a sua morte, o líder da segunda geração da RPC,
mesmo apesar de não ocupar o cargo formalmente. Hua foi substituído,
formalmente, por Zhao Ziyang. O fato de ser da geração original e de ter
ocupado quase sempre posições extremamente importantes dentro do partido e à
frente do destino do país, fizeram-no um dos líderes mais importantes da
história contemporânea chinesa. O seu principal legado foram as mudanças nas
políticas econômicas que começaram a construir o que a China é atualmente, a
segunda maior economia mundial. Para concluir, nas palavras de Deng,
“Não
existe, na China, uma facção que rejeite absolutamente a reforma. No passado,
algumas pessoas do estrangeiro classificaram-me como reformista e outras como
conservador. É verdade que sou reformista. Mas se defender os Quatro Princípios
Cardeais [1] significa ser um conservador, então eu também sou um conservador.
Portanto, não sou nem reformista nem conservador. Pode-se dizer, mais
precisamente, que sou da “escola da verdade dos fatos.” (LI, K., 1995,
p. 413)
Como afirma Sullivan, “embora formalmente Deng fosse apenas o presidente
da Comissão Militar Central até novembro de 1989, permaneceu o líder máximo da
China até a sua morte, em fevereiro de 1997” (FAIRBANK;
GOLDMAN, 2007, p. 372). O apoio a Deng assentava no falhanço de várias políticas seguidas pela
geração anterior, mas, sobretudo, pela linha moderada que adotou, uma das
vítimas da Revolução Cultural. À medida que os membros expurgados voltavam a
ser reabilitados, mais ênfase era dada em “[...] políticas pragmáticas, em vez
de ideológicas. Essa mudança expressava-se na frase que Mao de forma negativa
atribuirá a Deng Xiaoping durante a Revolução Cultural: “Não importa se o gato
é preto ou branco, desde que cace ratos.” (FAIRBANK;
GOLDMAN, 2007, p. 372)
Referências
Daniele
Prozczinski, Investigadora Associada do CHAM – Centro de Humanidades da
Universidade Nova de Lisboa e da Universidade dos Açores. Coordenadora do
subgrupo de pesquisa: Formas de Representação e Governo. Doutora em História
pela Universidade Federal de Santa Catarina, Mestre em Ciência Política e Relações
Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa. Graduada em Relações
Internacionais pela Universidade Católica Portuguesa. Áreas de interesse de
pesquisa: História da China contemporânea, Cartazes de Propaganda, Propaganda
Política, História das Mulheres, Relações Internacionais e Política
Internacional.
Nota [1]: O primeiro princípio era o respeito pelo
pensamento marxista-leninista-maoísta. O segundo, era seguir o caminho
socialista. O terceiro, a Ditadura Democrática do Povo e, o quarto, a supremacia
do PCCh.
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Olá, Daniele. Primeiramente, gostaria de te parabenizar pelo texto, ficou muito esclarecedor e você apresentou as argumentações de maneira clara e direta. Ao ler o seu texto me deparei com a seguinte questão: você consideraria a transição de Mao para o Deng como uma ruptura? E, se Deng permaneceu fiel aos princípios do comunismo tal como você diz, você consideraria o "Socialismo com Características Chinesas" um acidente de percurso?
ResponderExcluirRodrigo Fernandes Vicente
Caro Rodrigo, bom dia.
ResponderExcluirMuito obrigada pela leitura do texto e pelas suas pertinentes questões.
Referente à primeira questão, não considero que tenha havido uma ruptura entre a primeira e a segunda geração de liderança, até porque Deng e Mao seguiram o mesmo processo revolucionário e são ambos da geração da Longa Marcha. No entanto, o que não havia era um modelo de transição de liderança definida, daí a escolha da palavra "turbulenta". Com a morte de Mao, era a primeira vez que haveria outro líder na RPC e apesar dele ter nomeado Hua com o seu sucessor, sabemos que não foi quem se consolidou no poder.
Sobre a segunda pergunta, não considero de todo que o "socialismo com características chinesas" tenha sido um acidente de percurso, muito pelo contrário. Deng era conhecido pelo seu pragmatismo e o que ele fez foi adaptar e justificar um modelo de socialismo que fazia mais sentido para a realidade chinesa e que lhe permitia implementar a modernização económica do país.
Apesar de Deng nunca ter dado uma definição concreta do que era o socialismo com características chinesas, coloco aqui o que disse a respeito no Décimo Segundo Congresso do Partido, que ocorreu em 1982:
"Ao executar nosso programa de modernização, devemos partir da realidade chinesa. Tanto na revolução quanto na construção, devemos também aprender com os países estrangeiros e basear-nos em suas experiências, mas a cópia mecânica e a aplicação de experiências e modelos estrangeiros não nos levarão a parte alguma. Nós tivemos muitas lições a esse respeito. Devemos integrar a verdade universal do marxismo com as realidades concretas da China, abrir o nosso próprio caminho e construir um socialismo com características chinesas - essa é a conclusão básica a que chegamos depois de revisar a nossa longa experiência histórica."
Daniele Prozczinski
Cara Daniele,
ResponderExcluirExcelente e esclarecedor texto sobre as tensões que permeavam o partido comunista chinês. Muito revelador como o senso comum ocidental [o brasileiros, em particular] acreditava no partido como uma entidade monolítica, sem dissensões ou conflitos internos. Minha pergunta se conecta nesse aspecto: os eventos políticos de 1989, no seu entender, reverberam dessas divisões e conflitos com a figura de Deng, no nível interno do partido? E ainda: em sua opinião, incidentes como o da praça Tiananmen serviram para capitalizar o apoio do partido a Deng?
Parabéns pelo trabalho!
saudações,
André Bueno
Caro André Bueno,
ResponderExcluirMuito obrigada pelos seus comentários, leitura do texto e pelas perguntas. Vou tentar ser breve pois só agora consegui vir responder à pergunta.
Os conflitos internos perduraram e dividiam-se entre que caminho seguir após a morte de Mao: apenas política, económico ou ambos. Eu trabalho com propaganda e tenho grande interesse em fazer a análise das campanhas no seu contexto histórico e cito a dos Quatro Princípios Cardeais, lançada por Deng exatamente com o intuito de voltar a obter um maior apoio do partido e do povo. Tiananmen mostrou que Deng faria o que fosse preciso para manter o controle do país e quebrou, no meu ponto de vista, com a espectativa que muitos tinham sobre uma reforma de cariz também político. É interessante também analisar os discursos de Deng antes de chegar ao poder e depois, pois nota-se uma flexibilização em alguns aspectos, que parecia indicar uma maior abertura política, mas que depois foram completamente esmagados pelos acontecimentos em Tiananmen. Seguiu-se também uma "dança de cadeiras", onde foram tirados do partido os que não estavam totalmente de acordo com a visão de Deng sobre o que deveria ser o futuro da RPC. Assim, parece-me que ajudaram a dissipar as esperanças de uma reforma política e consolidar o caminho que Deng via para a China, acabando por consolidar a sua base de apoio, pois também ficou evidente que não haveria outro caminho possível.
Daniele Prozczinski