O CONCEITO DE INDIVIDUALIDADE JAPONESA NO LIVRO “O CRISÂNTEMO E A ESPADA” DE RUTH BENEDICT
Introdução
Este é um estudo sobre as percepções acerca dos
padrões de individualidade entre os japoneses do período imperial (1868-1945)
na obra da antropóloga Ruth Benedict,
mais especificamente em seu livro “The
Chrysanthemum and the Sword” (“O
Crisântemo e a Espada”) de 1946, buscando entender como a autora interpretava esta característica das
pessoas dentro da cultura japonesa.
Ruth Benedict e seu Estudo do Japão
Antes da entrada do Japão na Segunda Guerra Mundial estudos de antropologia sobre a cultura japonesa eram quase inexistentes, o único estudo notável nesse campo era o livro “A Japanese Village: Suye Mura” (“Uma Vila Japonesa: Suye Mura”) de John Embree (1908-1905), um estudo antropológico centrado em uma única vila japonesa [Benedict, 2006, p. 13]. Antes disso, desde a segunda metade do século XIX, os estudos sobre a cultura japonesa eram feitos por orientalistas (japonologistas) das mais diversas origens profissionais, como o britânico Basil Hall Chamberlain, um linguista, e o greco-irlandês Lafcadio Hearn, um jornalista.
Contudo, quando se iniciaram as hostilidades entre Japão e EUA, após o ataque aéreo japonês a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941, uma das facetas da mobilização estadunidense para a guerra foi a demanda por melhor conhecer o novo inimigo, e esta demanda gerou estudos antropológicos feitos por legítimos profissionais da área, sendo os primeiros textos publicados nesse sentido os artigos de Geoffrey Gorer (1905-1985) e Weston La Barre (1911-1996), respectivamente intitulados “Themes in Japanese Culture” (“Temas na Cultura Japonesa”) e “Some Observations on Character Structure in the Orient: The Japanese” (“Algumas Observações sobre a Estrutura de Caráter no Oriente: Os Japoneses”) e publicados nas revistas “Transactions of the New York Academy of Sciences” em 1943 , e “Psychiatry” em 1945 [Ryang, 2004, p. 17-22].
Ambos os artigos se destacavam por tomarem como o objeto de estudo o Japão inteiro, como um Estado-Nação, e não apenas um exemplo de suas várias possibilidades culturais, como fez John Embree em 1939, estando nesse sentido estes autores mais próximos dos japonologistas que os antecederam do que da prática antropológica feita até então. Contudo, foi justamente a abrangência de suas propostas que fez com que fossem notados [Ryang, 2004, p. 17], sendo Gorer admitido na inteligência militar dos EUA, tendo em vista o desenvolvimento de um estudo mais amplo para o futuro.
Os estudos de Gorer e La Barre, no entanto, enfrentaram dificuldades metodológicas, sendo a principal a impossibilidade de fazer uma pesquisa de campo no próprio Japão em função do estado de guerra, o que os limitou à contatos com membros da comunidade japonesa nos EUA e prisioneiros de guerra. Além disso os dois trabalhos foram influenciados por duas correntes teóricas principais, a psicanálise e a “Escola de Cultura e Personalidade”, da antropologia estadunidense [Ryang, 2004, p. 18-19], uma vertente psicologicamente orientada, que se concentrava em analisar as relações entre fatores psicológicos individuais (personalidade, emoções, etc.) e condições culturais de uma sociedade específica (socialização, papéis de gênero, valores, etc.), em outras palavras, avaliar a ligação de personalidades individuais com as normas culturais dos povos estudados [Eriksen, Nielsen, 2001, p. 59, 61; Schachter, 2011, p. 24].
Esta vertente foi iniciada por duas antropólogas da segunda geração de discípulos de Franz Boas (1858-1942); sendo Gilberto Freyre um membro da primeira; Ruth Benedict (1887-1948) e Margaret Mead (1901-1978) [Eriksen, Nielsen, 2001, p. 61]. E foi justamente essa ligação teórica que levou Gorer a indicar Benedict como sua substituta na inteligência militar dos EUA, quando este teve que retornar para seu país de origem, a Inglaterra, para trabalhar na embaixada da Grã-Bretanha [Ryang, 2004, p. 29].
Compartilhando das mesmas dificuldades metodológicas de Gorer e La Barre, ou seja, a impossibilidade de fazer trabalho de campo, Benedict também recorreu a membros da comunidade japonesa nos EUA, assim como analisou peças da propaganda militar japonesa, filmes do país, romances e ensaios de autores japoneses e trabalhos japonologistas e dos (poucos) antropológicos anteriores [Benedict, 2006, p. 13-15]. Com esses recursos ela desenvolveu para a inteligência militar dois textos intitulados “Japanese Films: A Phase of Psychological Warfare” (“Filmes Japoneses: Uma Fase da Guerra Psicológica”) e “Japanese Bahavior Patterns” (“Padrões de Comportamento Japonês”), respectivamente os relatórios n° 1307 e n° 25, sendo que estes escritos tiveram a função principal de fornecer informações úteis para uma futura ocupação do país após o fim da guerra [Buruma, 2005, p. x]. O resultado destas pesquisas, principalmente o Relatório N° 25, serviu de base para a redação do livro “O Crisântemo e a Espada” publicado em 1946 [Boles, 2006, p. 56, 60; Ryang, 2004, p. 29, 225-226].
O
Crisântemo e a Espada
O livro “O Crisântemo e a Espada” de Benedict visa entender o comportamento dos japoneses, e de fato se cristalizou como uma análise da cultura japonesa do período imperial (1868-1945). Desde o século XIX, os japoneses já eram entendidos como radicalmente diferentes dos ocidentais, e em sua análise a autora chama atenção para estas diferenças e busca explicá-las; como a natureza hierárquica da sociedade japonesa, a importância que a honra tinha nessa civilização, o virtuoso significado cultural do suicídio, o entendimento da disciplina e a educação infantil [Benedict, 2006].
Os pontos que chamam mais atenção no livro são o destaque que a autora dá ao senso de débito dos japoneses, analisando o conceito nativo de “on”, que divide-se em “gimu”e “giri”, respectivamente débitos impagáveis (para com o Imperador, os pais, os professores, os chefes, etc.), que deveriam ser constantemente saldados na forma de respeito e lealdade, e débitos pagáveis (para com amigos, conhecidos e desconhecidos por exemplo), que deveriam ser retribuídos de forma equivalente ao favor recebido. A observação cuidadosa dessas obrigações seria a marca da respeitabilidade e honradez do súdito do Japão Imperial, enquanto a sua negligência colocaria um indivíduo socialmente em desgraça [Benedict, 2006, p. 99-113].
Em relação à importância dessas obrigações Benedict teorizou que a cultura japonesa seria uma “cultura da vergonha”, em dissonância com a cultura ocidental que seria uma “cultura da culpa”. Na última predominaria o "auto-julgamento das ações de cada pessoa segundo a sua individualidade, enquanto no segundo tipo se destacaria o julgamento externo dos indivíduos pelos membros de seu meio social, ou seja, seriam culturas nas quais a imagem da pessoa diante dos outros, a sua honra, seria o mais importante" [Benedict, 2006, p. 188-190].
Este livro tem sua base teórica nas convicções da Escola de Cultura e Personalidade, sobretudo em um livro anterior da autora, “Patterns of Culture” (“Padrões de Cultura”), publicado em 1934, no qual aplica seu método antropológico ao estudo de povos da região do Pacífico e da América do Norte [Benedict, 2013].
O que há de comum nos trabalhos de campo anteriores da autora e sua abordagem dos japoneses é sua clara abordagem comparativa dicotômica com o padrão “nós” (ocidentais principalmente estadunidenses) em comparação a “eles” (originalmente povos tribais do Pacífico e da América do Norte, e depois os japoneses) não como um mero recurso didático, mas com o objetivo de usar os costumes “estranhos” dos povos examinados como base para incitação de um estranhamento reflexivo no leitor em relação à própria cultura, ao chamar a atenção para a racionalidade inerente aos costumes exóticos em relação à aparente arbitrariedade ou falta de praticidade dos costumes contrários e equivalentes presentes na cultura dos EUA [Geertz, 1989, p. 115].
Com isso Benedict promoveria o que Geertz [1989, p. 116, 124] chama de “auto-indigenização”, ou seja, a capacidade de ver a si mesmo como “nativo” (estranho, exótico), enquanto costumes estrangeiros inicialmente encarados como exóticos podem passar a ser vistos como razoáveis. Em suma, mais do que compreender culturas diferentes, Benedict tinha o objetivo de inquietar seu leitor e leva-lo a interrogar o sentido de sua própria cultura.
“O Crisântemo e a Espada” no período Pós-Guerra, além de ter sido reconhecido por décadas como o mais relevante e influente estudo antropológico sobre o Japão, sendo a principal inspiração para os estudos nesse campo nas décadas seguintes, inclusive para os clássicos do pensamento social japonês com destaque para os livros “Japanese Society” (“Sociedade Japonesa”) de Nakane Chie (1926), originalmente escrito em inglês e publicado em 1970, e “Amae no Kozo” (“Anatomia da Dependência”) de Doi Takeo (1920-2009), publicado em 1971 [Ryang, 2004, p. 35].
Mas além disso Sonia
Ryang [2004, p. 35] chama atenção para
um grande mérito desta obra, seu relevante papel na reumanização do povo
japonês no Pós-Guerra, ao explicar a racionalidade de seus traços culturais, os
colocando como tão lógicos e funcionais quanto os ocidentais e não como meros
frutos de monstruosidade, loucura ou fanatismo, como foi afirmado pela
propaganda de guerra dos EUA, que desumanizou os japoneses aos olhos do povo e
de seus soldados, tornando mais fácil mata-los, marcando o palco da Guerra do
Pacífico com combates mais sangrentos e selvagens do que os que em geral foram
vistos na Europa [Dower, 1986, p. 10-11].
A
Individualidade Japonesa em “O Crisântemo e a Espada”
Como foi citado anteriormente um interesse central de Benedict e de sua Escola de Cultura e Personalidade era o elemento psicológico individual dentro de cada cultura, logo o conceito de individualidade era um objeto central de seu interesse, e isso marca mais uma relevância de sua obra, ser a primeira apreciação acadêmica da noção japonesa de individualidade, que também foi abordada nos escritos de japonologistas no passado, entre os quais podemos destacar o matemático, astrônomo, diplomata e orientalista norte-americano Percival Lowell (1855-1916), que em seu livro “The Soul of the Far East”, publicado em 1888, afirma que a individualidade japonesa seria simplesmente inexistente, e isso marcaria justamente o atraso da civilização japonesa em relação à civilização ocidental.
Para Lowell no Ocidente a individualidade seria uma virtude, e fruto de um desenvolvimento histórico mais avançado, enquanto no Japão reinaria a impersonalidade, ou seja, a imposição do interesse coletivo sobre os indivíduos; características que seriam respectivamente heranças da influência cristã e budista sobre estas civilizações. Para este autor a noção de individualidade e individualismo seria indispensável para a evolução de uma sociedade pois através desta ocorreria o desenvolvimento da imaginação, que por sua vez moveria a inovação. Sem esta capacidade de inovação o Japão estaria preso a mera imitação de inovações estrangeiras, e seria a isso que estaria devendo sua modernização recente [Lowell, 1888].
Por sua vez, o jornalista e escritor greco-irlandês Lafcadio Hearn (1850-1904), em uma carta que consta em uma coletânia de sua correspondência pessoal publicada em 1910, sob o título de “The Japanese Letters of Lafcadio Hearn” critica Lowell por sua não percepção da natureza da individualidade japonesa, que não seria inexistente, mas apenas se manifestaria de forma distinta à que ocorre no Ocidente.
Hearn atribui essa falha de Lowell à sua falta de proximidade e familiaridade com japoneses reais. Para este autor os japoneses têm justamente um comportamento frio e coletivista em ambientes formais e quando estão cercados de desconhecidos e pessoas mais distantes. Entre os mais próximos e íntimos os japoneses mostrariam sua individualidade. Segundo Hearn, caso tivesse mais proximidade com os japoneses, Lowell “iria descobrir algumas das individualidades mais extraordinárias que já viu”, e perceberia que há “excentricidades e personalidades entre os japoneses como conosco [os ocidentais]: somente, elas emergem menos rapidamente” [Hearn, 1910, p. 322].
Embora tenha lido e citado estes dois autores em seu livro, Benedict não se reporta a eles quanto a esse ponto. Seu entendimento da individualidade japonesa no entanto é mais complexo que o de Hearn.
Para a autora a individualidade japonesa não se mostra em essência ou integrada (tomando indivíduos como essencialmente bons ou maus, piedosos ou ímpios, etc.) da mesma forma que o Ocidente, mas que percebia os comportamentos adequados por “círculos”, ou seja, cada ambiente específico exigia um comportamento adequado da pessoa que nele se inseria, mesmo que esse comportamento fosse totalmente contraditório com aquele apresentado em outros círculos, ou nas palavras da própria autora: “Cada círculo tem o seu código [de comportamento] especial particularizado, sendo que o homem julga os seus semelhantes, não lhes atribuindo personalidades integradas” [Benedict, 2006, p. 167] então no cotidiano dos japoneses “as contradições [...] acham-se tão profundamente baseadas na sua visão da existência quanto as nossas uniformidades na nossa” [BENEDICT, 2006, p. 167].
Podemos notar ainda que para Benedict essa
característica de individualidade adaptável também se manifestaria no
comportamento coletivo japonês, como por exemplo a orientação do Estado-Nação
japonês, que se durante o fim do século XIX e primeira metade do século XX se
comportou de forma imperialista e militarmente agressiva, o fez porque este era
o comportamento aceitável no “círculo” das grandes potências, enquanto no cenário
do Pós-Guerra, com a valorização da paz, o Japão se adaptaria a esse novo
círculo. Ou seja, para ela o Japão não deveria ser interpretado como uma nação
agressiva ou pacífica, mas se adaptava ao que seria interpretada como o
comportamento mais respeitável pela comunidade, neste caso, a comunidade
internacional [Benedict, 2006, p. 255-256]. Para a autora esse comportamento
seria fruto da educação japonesa (feita desde a infância), que “os condicionou
para possíveis mudanças de direção” [Benedict, 2006, p. 255].
Conclusão
A partir da interpretação do conceito de individualidade dentro da
cultura japonesa, seguindo um interesse central da “Escola de Cultura e
Personalidade”, por meio de conceitos como “on” e “cultura da vergonha”,
Benedict chegou à conclusão de que a opinião alheia tinha um peso proeminente
na sociedade do Japão Imperial, e que a preocupação em apresentar o
comportamento adequado e respeitável para cada diferente situação, ou cada
“círculo”, condicionava a natureza da individualidade japonesa, fazendo com que
os indivíduos não se destacassem por apresentar um comportamento e
personalidade constantes em essência, como seria o ideal no Ocidente, mas sim
adaptando o comportamento de acordo com cada situação, fazendo com que os
japoneses desenvolvessem assim individualidades múltiplas e fragmentadas, e
essa fragmentação seria o que define a natureza da individualidade japonesa
segundo o livro “O Crisântemo e a Espada” de Ruth Benedict.
Referências
Edelson Geraldo Gonçalves é Doutor em História Social das Relações Políticas pela UFES e atualmente Pós-Doutorando pela mesma instituição, bolsista PROFIX/FAPES. E-mail: edelsongeraldo@yahoo.com.br
BENEDICT,
Ruth. O Crisântemo
e a Espada.
São Paulo: Perspectiva, 2006.
BENEDICT, Ruth. Padrões de Cultura. Petrópoles: Editora Vozes, 2013.
BOLES, Elson. Ruth Benedict’s Japan: The Benedictions
of Imperialism. Dialectical
Anthropology,
Nova York, Vol 30, N° 1, 2006, p. 27-70. Disponível em
https://www.jstor.org/stable/29790754 . Acesso em: 03/09/2020.
BURUMA, Ian. Foreword. In. BENEDICT, Ruth. The Chrysanthemum and the Sword. Boston
e Nova York: Mariner Books, 2005. p. vii-xii
DOWER, John W. War Without Mercy:
Race & Power in The Pacific War. Nova York: Pantheon Books, 1986.
ERIKSEN, Thomas Hylland; NIELSEN, Finn Silvert. A
History of Anthropology. Londres: Pluto Press, 2001.
GEERTZ, Clifford. El Antropólogo como Autor. Barcelona: Paidós, 1989.
HEARN, Lafcadio. The Japanese Letters of Lafcadio Hearn.
Boston: Houghton Mifflin and Company, 1910.
LOWELL, Percival. The Soul of the Far East. Boston
e Nova York: Houghton, Mifflin and Company, 1888.
RYANG,
Sonia. Japan and National Anthropology:
A Critique. Nova York e Londres: Routledge, 2004.
SCHACHTER, Juditt (Modell). Ruth Fulton Benedict. In: GORDON, Robert; LYONS, Andrew P;
LYONS, Harriet D (orgs). Fifty Key
Anthropologists.
Londres: Routledge, 2011. p. 24-29.
Muito interessante o seu texto!
ResponderExcluirVocê acha que existe uma visão orientalista de Benedict em seus estudos sobre os japoneses?
Compreendo a sua análise sobre a adoção, por parte de Benedict, da diferenciação entre "nós" e "eles", buscando causar nos leitores um estranhamento e inquietude sobre a sua própria cultura. Contudo, o discurso da autora não seria, ao mesmo tempo, um discurso do outro? Comparando as duas culturas, só que no sentido de "exaltar" os elementos considerados diferentes da cultura japonesa?
Luana Martina Magalhães Ueno.
Obrigado pela leitura Luana. Certamente Benedict tinha uma visão orientalista sobre os japoneses. No livro "Irish Orientalism", o autor Joseph Lennon, chama atenção para o fato de que uma abordagem simpática dos orientais não é menos orientalista que as abordagens destacadas por Edward Said. E nesse livro ele destaca justamente o orientalismo praticado na Irlanda, predominantemente simpático aos orientais e anti-imperialista, principalmente pelo sentimento de cumplicidade que tiveram com muitos deles nos séculos XIX e XX, pela situação de igualmente subjugados pelos britânicos.
ExcluirO orientalismo de Benedict seria justamente como este, simpático ao Oriente, mas ainda assim um discurso do outro.
Edelson Geraldo Gonçalves
Parabéns pelo texto, Edelson! Eu já tinha muito ouvido falar dessa obra "O crisântemo e a espada", da Ruth Benedict, mas ainda não li. Foi muito bom ler seu artigo e entender os aspectos que ela abrange. Eu estudo "O Livro do Chá", do Kakuzo Okakura, onde ele tenta apresentar e explicar sobre a cerimônia de chá japonesa para o público ocidental, por isso, ele até escreveu seus livros em inglês. A minha pergunta é se será Ruth Benedict também teve esse objetivo de explicar sobre alguns aspectos culturais do Japão para o povo ocidental?
ResponderExcluirNarumi Ito.
Obrigado pela leitura Narumi. No século XIX autores como Okakura Kakuzo, Inazo Nitobe e Uchimura Kanzo escreviam em língua inglesa justamente para apresentar a cultura japonesa ao público ocidental de uma maneira satisfatória. E o mesmo era feito por alguns autores ocidentais como Lafcadio Hearn e Basil Hall Chamberlain. Por sua vez, o livro de Ruth Benedict foi o produto de estudos encomendados pelas forças armadas dos EUA, com o fim prático de fornecer informações que ajudariam a organizar uma ocupação ordeira do Japão no final da Segunda Guerra Mundial. Dessa forma, apesar de Benedict ser simpática a culturas não ocidentais e ser uma militante contra o racismo, seu objetivo ao desenvolver os estudos que deram origem a este livro era meramente compreender o inimigo, em um contexto de guerra, apesar de seu trabalho certamente ter inspirado autores no pós-guerra, que buscavam de fato primariamente compreender e explicar a cultura japonesa.
ExcluirEdelson Geraldo Gonçalves
Entendi, que interessante Edelson! Muito obrigada pela resposta.
ExcluirNarumi Ito.
Olá Edelson. Adorei o seu trabalho. O "Crisântemo e a Espada" sempre é uma fonte muito interessante em se estudar. Minha dúvida é, ainda estes processos de adaptação e construção de individualidades múltiplas e fragmentadas se dão de forma conectadas ao contorno social? Ou se não, de que maneira isso vêm mudando?
ResponderExcluirRenata Sayuri Sato Nakamine
Obrigado pela leitura Renata. Estas individualidades múltiplas e fragmentadas, ou omote (face pública) e ura (face privada), segundo estudos mais recentes, são uma característica estrutural da cultura japonesa (e de culturas confucionistas em geral), mas segundo Takashi Inoguchi, em um texto do livro "Cambridge Companion to Modern Japanese Culture", o peso do contexto social sobre a individualidade varia segundo o momento histórico japonês, com momentos de maior peso da sociedade sobre o indivíduo e momentos com uma cota maior de individualismo permitida. Segundo este autor o Japão Imperial, o contexto que Benedict estudou, foi um momento extremamente repressivo sobre o indivíduo, enquanto o Japão do pós-guerra até a atualidade permite manifestações maiores de individualismo.
ExcluirEdelson Geraldo Gonçalves
Parabéns pelo artigo, professor Edelson. O livro “O Crisântemo e a Espada” de fato é uma ótima fonte para se fazer grandes apontamentos. Sendo assim, gostaria de levantar umas questões: até que ponto chegava a relação entre Ruth Benedict e o Serviço de Inteligência Estadunidense? Qual a recepção desta obra por eles? Os períodos analisados por ela, a Restauração Meiji e o imperialismo japonês, são os suficientes para se chegar a esta conclusão a respeito da individualidade japonesa que se adapta ao outro? Isso não seria uma forma de retirar parte da responsabilidade japonesa nos seus processos históricos?
ResponderExcluirRonaldo Sobreira de Lima Júnior
Obrigado pela leitura Ronaldo. A relação de Benedict com os militares foi pontual, ela fez estudos apenas durante a guerra, e além disso era suspeita de afinidade com o comunismo, em função de sua militância anti-racista. Sua obra, no entanto, foi muito importante como guia para a cultura japonesa durante a ocupação americana, "a bíblia das tropas americanas de ocupação" segundo Alexander Stille.
ExcluirA análise de Benedict sobre a individualidade japonesa faz menção desde a Era Tokugawa até o Japão Imperial, e de fato isso é o bastante para identificar esse traço como estrutural (uma característica de longa duração) da cultura japonesa. Por outro lado existe sim a crítica de que a abordagem holista de Benedict a leve a um determinismo cultural, que subestimaria as escolhas racionais dos japoneses em suas ações durante o Período Imperial. O pioneiro dessa crítica foi o também antropólogo John Embree.
Edelson Geraldo Gonçalves