Leonardo Paiva Monte

 

EDUCAÇÃO HAKWON NA COREIA DO SUL


 

Introdução

Este artigo faz uma revisão acerca da educação hakwon (ao longo do texto, utilizo apenas EH para me referir a ela), a tutoria educacional privada, na Coreia do Sul. Esse país apresenta uma experiência interessante referente a essa modalidade de ensino complementar por algumas razões: 1) o elevado número de alunos e alunas que participam da educação escolar convencional e da educação hakwon; 2) o contínuo crescimento dos valores gastos em tutoria privada; 3) as transformações por quais passou a sociedade sul-coreana ao longo de meio século concernentes à expansão educacional e ao desenvolvimento econômico; 4) o país apresenta dados relativamente completos referentes ao tema, uma vez que a educação hakwon afeta a sociedade e as políticas públicas [Lee & Kim, 2010].

A Coreia é bem conhecida internacionalmente por sua excelência em educação: as altas realizações acadêmicas de seus alunos, entusiasmo dos pais coreanos para a educação de seus filhos, os altos níveis de comprometimento de seus professores, e assim por diante. A UNESCO também considerou o sistema educacional coreano como um dos mais bem sucedidos do mundo; e em sua revisão dos sistemas de educação apresentou avaliações positivas quanto aos professores coreanos, aos níveis de educação, às estruturas salariais e à equidade educacional [Kim, 2016].

A popularidade de uma educação complementar na Coreia do Sul está relacionada a valores socioculturais e ao sistema educacional nacional. As pessoas daquele país estão inseridas em uma conjuntura em que os valores confucionistas de estudo e dedicação são um elemento fundamental no desenvolvimento pessoal [Kim & Jung, 2019].

Enquanto hakwon pode ser um termo estranho para muitos pesquisadores estrangeiros e políticos, para pais, mães e estudantes da Coreia do Sul, ao abordarem seus interesses educacionais, a relação entre a educação hakwon e hakkyo (escola pública) é um ponto central nas discussões. Para a maioria das(os) estudantes coreanas(os), ser parte do hakwon é um componente fundamental de sua vida acadêmica.

 

Breve perspectiva sobre a educação sul-coreana

Nas últimas décadas, a Coreia do Sul alcançou avanços educacionais, acompanhados de rápido crescimento econômico. Por exemplo, em 1945, quando a ocupação japonesa na península (1910-1945) chegou a um fim, as taxas de matrícula de estudantes coreanos no primário, secundário e ensino superior foram por volta de 65%, 20%, e 2%, respectivamente. Cinco décadas depois, entretanto, as taxas de matrícula de pessoas em idade escolar no primário e secundário foram de 100% e cerca de 70 % em instituições de ensino superior [Byun & Kim, 2014].

Grande parte do sistema escolar moderno na Coreia do Sul foi desenvolvida durante a ocupação japonesa. O sistema educacional está dividido em ensino primário (séries 1 a 6, em idades de 07 a 12); ensino secundário inferior (séries 7 a 9, idades de 13 a 15 anos); secundário superior (séries 10 a 12, idades de 16 a 18 anos) e ensino superior (2 ou 4 anos) [Byun & Kim, 2014].

Além disso, o nível secundário superior (ensino médio) pode ser dividido em três tipos de modalidade: 1) geral, 2) profissional e técnico, e 3) finalidades especiais. As escolas ensino médio geral são academicamente orientadas, fazem a preparação para o acesso ao ensino superior, são o segmento em que a maioria dos estudantes estão matriculados. Por sua vez, o ensino médio profissional e técnico são para os alunos que querem desenvolver suas habilidades vocacionais e entrar no mercado de trabalho após a conclusão do ensino médio. Essas escolas, todavia, são muitas vezes menos almejadas do que são outros tipos de escolas de ensino médio. Por fim, as escolas de ensino médio com finalidades especiais são instituições especializadas para ciências, línguas estrangeiras, e arte [Byun & Kim, 2014].

Apesar de ter recursos educacionais inadequados após o período de ocupação japonesa, o governo sul-coreano queria estabelecer a educação básica universal (séries 1 a 6) assim que possível. O forte compromisso com a expansão da educação básica no governo de Rhee Syngman (1948-60) resultou em um crescimento notável. Várias faculdades foram criadas para formar professores para o ensino fundamental rapidamente [Lee & Kim, 2010].

A competição acadêmica entre os alunos e alunas tem sido intensa em função da disponibilidade limitada de vagas em cada nível educacional. Essa competitividade ainda permanece, mesmo depois de uma expansão educacional bem sucedida, devido à preocupação com a formação acadêmica e a um sistema hierarquizado de educação. Os sul-coreanos e sul-coreanas prezam muito pela educação e exigem constantes melhorias, a fim de buscar ingressar em alguma das limitadas vagas do ensino universitário, impulsionando ainda mais o fenômeno da EH [Lee, 2011]. Essa competitividade acaba gerando a necessidade de procurar uma educação complementar, para revisar e aperfeiçoar conteúdos escolares, por meio de uma tutoria educacional futuresca.

Atualmente, no campo educacional da Coreia do Sul, pode-se encontrar três maneiras principais de tutoria educacional privada, de acordo com os interesses e possibilidades financeiras do mercado. Primeiro, existe a tutoria individual para um indivíduo apenas ou um pequeno grupo de estudantes. Essas aulas, geralmente, acontecem na residência da/do aluna/o, e as/os responsáveis pela tutoria são profissionais em tempo integral ou estudantes universitários de meio período. Trata-se de uma forma mais personalizada e mais dispendiosa de tutoria educacional privada. Uma outra possibilidade é a instrução fornecida por uma instituição de ensino, chamado de hakwon. O acompanhamento é feito em um ambiente de sala de aula. Alunos e alunas se matriculam em hakwons concomitantemente com a frequência às escolas convencionais. Este ensino complementar pode acontecer após as aulas na escola, durante à noite ou aos finais de semana. Além dessas possibilidades de ensino complementar, existe o acompanhamento feito pela internet, havendo a supervisão dos pais ou por visitas ocasionais de tutores. Essa última modalidade é a mais barata quando comparada às outras duas e são mais populares entre estudantes mais jovens [Lee & Kim, 2010].

Historicamente, a tutoria educacional privada tem sido comum em lugares como Coreia do Sul, Japão, Hong Kong, Taiwan e Cingapura. Desde a década de 1980, a Coreia do Sul teve uma das maiores taxas de participação nessa área. Em 2016, por exemplo, 70% dos alunos sul-coreanos participavam de alguma modalidade de educação complementar [Kim & Jung, 2019].

 

A educação Hakwon

Do ideograma chinês que significa "lugar para estudo", o hakwon é um tipo de sistema de ensino baseado em uma tutoria particular que fornece às/aos alunas/os educação suplementar, após o horário escolar convencional. Financiado por famílias de estudantes e por fundos privados, hakwons são empresas educacionais e comerciais [Kim, 2016].

Como o sistema público de ensino, a educação Hakwon é uma parte importante do desenvolvimento educacional das/os estudantes sul-coreanos. Observa-se isso ao perceber como é comum que as pessoas na Coreia atribuam o bom desempenho escolar de alunos e alunas à EH em vez da modalidade de ensino pública. Na verdade, pais, mães e estudantes sul-coreanos têm preferido a EH ao sistema de ensino público, que é muitas vezes criticado no país [Kim, 2016].

O objetivo principal de uma EH é auxiliar as/os estudantes a aperfeiçoar suas habilidades escolares a fim de atingir bons resultados em exames de admissão para o ensino médio e acesso ao ensino superior, bem como em temas individuais, o que explica a diversidade de cursos e módulos hakwon disponíveis no mercado educacional sul-coreano. Ela reapresenta aos alunos o conteúdo aplicado na escola. Isso fornece várias oportunidades para aprender, em vez de estudar sozinho [Kim, 2016].

O trabalho fornecido pela EH está relacionado, principalmente, ao acompanhamento de disciplinas escolares, como inglês, matemática etc. Alunos e alunas, entretanto, também procuram por aulas de artes, como piano, desenho, pintura, ou por aperfeiçoamento em esportes diversos. Essas disciplinas, quando ensinadas para indivíduos mais jovens, são fundamentalmente para enriquecimento cultural e aumento do desempenho escolar. Quando o acompanhamento da EH acontece em pessoas em idades mais adultas, o objetivo é o domínio dos temas a fim de conseguir bons resultados em exames de admissão [Lee & Kim, 2010].

Pesquisas mostram que entre os alunos e as alunas que não conseguem dominar o conteúdo ensinado nas salas de aula, a EH proporciona um ambiente mais centrado na/no estudante, onde eles/elas se sentem mais livres para questionar acerca do conteúdo que, porventura, não tenham compreendido anteriormente na escola convencional. A EH também pode fornecer aulas antecipadas, em que as/os discentes aprendem tópicos de disciplina escolar antes de serem apresentadas na escola, bem como aulas de revisão, em que aprendem e revisam os assuntos [Kim & Jung, 2019].

De acordo com um levantamento realizado em 2016, a Coreia do Sul tem uma das maiores taxas de participação em educação complementar em todo o mundo: por volta de 67,8% das/os estudantes participaram: 80% dos alunos e alunas do ensino fundamental; 63,8% dos alunos do ensino médio e 52,4% no ensino médio. No mesmo ano, as famílias sul-coreanas gastaram $18,1 trilhões de won (USD $ 16,6 bilhões), valor que é mais do que o dobro da despesa média anual com tutoria educacional privada entre países da OCDE [Jung & Kim, 2019].

A importância da EH também afeta o cotidiano de pais e mães, especialmente de mães, que comumente são as responsáveis pela supervisão da educação infantil de sua família. Os responsáveis pelas crianças tentam reunir informações confiáveis acerca de hakwons eficientes, seja por recomendações de outros pais e mães ou consultando a internet. A escolha de um hakwon torna-se mais significativa à medida que as crianças avançam nas séries escolares. Na Coreia do Sul, existe até um ditado que diz que encontrar o melhor hakwon para sua/seu filha/o é uma maneira de a mãe de demonstrar sua habilidade como mãe [Kim, 2016].

A ascensão da EH tem sido criticada por produzir um vínculo de dependência entre as/os estudantes acerca dessa educação extra que se transformou em um componente fundamental de uma educação escolar adequada. Essa dependência pode ser observada, por exemplo, por meio do resultado de uma pesquisa referente a capacidade de aprendizado em que apenas 38% das/dos estudantes perceberam que poderiam aprender de forma autônoma e independente, enquanto o restante sentia a necessidade de auxílio complementar no processo de aprendizado [Lee, 2011].

Outro ponto a ser observado é a situação em que pais e mães não podem pagar um programa de EH, o que acaba deixando as crianças dessas famílias em situação de desvantagem educacional. Como resultado, existe uma lacuna na exploração de oportunidades de educação entre crianças de famílias de alta renda e de famílias de baixa renda [Kim & Jung, 2019]. Logo, essa modalidade de ensino reforça a desigualdade social presente na sociedade e cria mais situações de disparidade entre os indivíduos, mesmo em idade escolar, culminando, muitas vezes, em falta de oportunidades futuras, ascensão social, acesso ao ensino superior e ao mercado de trabalho.

A crescente preocupação em relação à lacuna socioeconômica e regional, no que diz respeito às oportunidades geradas pela EH e as dificuldades financeiras de muitas famílias para manter seus filhos e filhas em uma tutoria educacional, levou o governo sul-coreano a agir a nível nacional. Por exemplo, a administração Roh Moo-hyun (2002-2007) propôs programas pós-escola financiados pelo governo especialmente para crianças de famílias de baixa renda em áreas rurais e urbanas [Kim & Jung, 2019].

 

Conclusão

Enquanto a tutoria privada tem sido observada em todo o mundo, a magnitude dessa prática na Coreia do Sul é bastante excepcional. A rápida expansão do sistema escolar formal e o investimento contínuo por parte do poder público não foram suficientes para mitigar o crescimento constante da tutoria educacional privada no país.

O pesado investimento em EH levanta a questão do custo real do sistema educacional sul-coreano. Alunos e alunas sul-coreanos têm apresentado bom desempenho na escola e atingido resultados positivos em testes internacionais, mesmo que os gastos públicos naqueles setores tenham sido modestos. No entanto, uma vez que gastos privados foram feitos para manter uma educação hakwon, por exemplo, é difícil concluir se o alto desempenho de estudantes sul-coreanos é em consequência do sistema de tutoria privada ou do ensino regular oferecido nas escolas.

Muitos pais e mães sul-coreanos fazem grandes esforços para fornecer a seus filhos e filhas uma tutoria educacional, hakwon, uma vez que eles estão conscientes do papel que o desempenho acadêmico tem em futuras oportunidades na vida de suas/seus descendentes. Desse modo, investe-se na educação hakwon não só para finalidades de aperfeiçoamento individual na área da educação, mas também como uma resposta às pressões sociais experimentadas na sociedade sul-coreana e a necessidade de ter sentimentos de segurança dentro de uma sociedade de rápido desenvolvimento e grande concorrência.

 

Referências bibliográficas

Leonardo Paiva do Monte é licenciado em História (UEPB) e mestre em história social (USP).


BYUN, Soo-yong & KIM, Kyung-keun. Determinants of Academic Achievement in Republic of Korea. In: PARK, Hyunjoon & KIM, Kyung-keun. Korean Education in Changing Economic and Demographic Contexts. New York: Springer, 2014. pp.13-38.

KIM, Young Chun. Shadow education and the curriculum and culture of schooling in South Korea. New York City: Palgrave Macmillan, 2016.

KIM, Young Chun & JUNG, Jung-Hoon. Shadow education as worldwide curriculum studies. New York City: Springer Berlin Heidelberg, 2019.

LEE, JuHo & KIM, Sunwoong. Private Tutoring and Demand for Education in South Korea. Economic Development and Cultural Change, Vol. 58, No. 2, Jan. 2010, pp. 259-296.

LEE, S. K. Local perspectives of Korean shadow education. Reconsidering Development, 2 (1), 2011.

4 comentários:

  1. Muito bom texto!
    É comum que no Brasil a gente use o exemplo da Coreia do Sul e outros países asiáticos como modelos educacionais e sua valorização aos professores, das universidades e da ciência, mas percebe-se que até mesmo a Coreia do Sul tem essa característica que encontramos no Brasil dos "cursinhos" como complementares à escola e, por serem muitas vezes pagos, nem sempre são acessíveis. Minha pergunta é: será que não estamos focando nos objetivos errados? Fala-se muito da competição e de como estudantes precisam estar "afiados" para fazerem provas e tirarem boas notas para que consigam ter acesso a boas universidades, mas será que o problema não está no currículo ou nessa ideia de formação para mera inserção no mercado de trabalho?

    Alessandro Henrique da Silva

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    1. Olá!
      Enquanto estivermos em um sistema capitalista, a competitividade vai aumentar: cada vez mais pessoas em busca de educação/qualificação e o número de vagas permanece o mesmo, em que nem todas podem pagar por uma educação fora do sistema público.
      Ainda que houvesse uma completa transformação curricular, a competitividade para acesso ao mercado/universidade ainda se manteria.

      Leonardo Paiva Monte

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  2. Primeiramente gostaria de parabenizar pelo o trabalho que traz considerações importantes para pensar a educação e como estas são aplicadas em outros centros. Tendo em vista, que a educação no Brasil sofre influência da cultura educacional ocidental. Logo, é comum desconhecemos a educação aplicadas em outras partes do mundo, que não sejam oriundas da Europa e dos Estados Unidos. Diante dessas considerações, identifiquei na educação Hakwon uma similaridade com assessorias e tutorias feitas por algumas empresas que arregimentam profissionais da educação, e até mesmo por professores que autonomamente prestam esse serviço aqui no Brasil, que vem sendo uma alternativa para crianças, jovens e adultos da própria rede privada do Ensino Básico e Superior para melhorar os seus rendimentos em sala de aula. A minha a pergunta é qual a diferença desse modelo que aos poucos vem sendo aplicado aqui no Brasil, com educação Hakwon?

    Ronyone de Araújo Jeronimo

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    1. Olá!
      No Brasil, percebo que esse ensino "extra" ainda é distante para a maioria dos alunos da rede de ensino. Às vezes, é lembrado apenas em anos de enem ou para concursos públicos. No caso da Coreia do Sul, esse ensino está mais difundido entre diferentes grupos sociais e ocupa a vida dos estudantes desde cedo (mesmo sem algum enem/concurso à vista).
      Também vejo que existe uma maior valorização da educação na CS, o que pode levar os pais a quererem que seus filhos se qualifiquem desde cedo para universidade.

      Leonardo Paiva Monte

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