Luis Fernando Masiero

 

JUSTIÇA E SOBERANIA: ASSASSINATOS DE CHINESES POR SUJEITOS DE MACAU [1790-91]


 

Quem estuda e pesquisa sobre a história de Macau tende a se deparar, mais cedo ou mais tarde, com a questão da soberania sobre a cidade. Em uma península onde conviviam chineses e portugueses com suas respectivas instituições de poder, definir quais das esferas sustentava a hegemonia sobre o território ainda é uma tarefa controversa e polêmica. O presente artigo visa analisar o tema através de perspectivas historiográficas recentes e a partir de uma breve análise documental, onde serão expostos dois casos de assassinatos cometidos, em Macau, contra a população autóctone por certas categorias de sujeitos aí residentes, cujos desdobramentos forçaram autoridades sínicas e lusitanas a agirem em prol do reconhecimento e punição dos culpados, e onde conflitos de jurisdição frequentemente ocorriam por conta do impasse envolvendo a soberania do território. Afinal de contas, quem definiria o destino dos réus, o mandarinato da Dinastia Qing ou os oficiais do Leal Senado da cidade?

 

A península entre dois Impérios: o debate historiográfico sobre Macau

A princípio, pode parecer espantoso que um território de aproximadamente 3,5 km² gere tanto debate sobre a sua soberania. Todavia, inúmeros são os textos que, de um modo ou de outro, tratam sobre o exercício do poder em Macau, principalmente entre os historiadores portugueses. Em sua tese de doutorado, Anabela Monteiro sugeriu que a comunidade lusitana instalada em Macau detinha certa “paciência do fraco” perante as autoridades mandarínicas [Monteiro, 2011, p. 437]. Em outras palavras, sempre que ocorria desentendimentos ou desencontros entre as ditas esferas de poder, as autoridades portuguesas apresentavam uma “preocupação constante de não desagradar ao mandarinato e, ao mesmo tempo, garantir o apoio e simpatia por parte do mesmo para Macau” [2011, p. 438]. De acordo com esta historiadora, a principal razão para a subordinação lusitana ao governo chinês era a completa dependência do empório dos itens de primeira necessidade vindos do continente, visto que nada se produzia na Península. De fato, se os portugueses aí erradicados desagradassem a burocracia sínica, bastava a esta cortar o fornecimento de víveres para colapsar o empreendimento luso. Para Monteiro, portanto, “a autoridade portuguesa só era exequível no território se o poder político chinês assim o entendesse” [2011, p. 376].

A subserviência lusitana diante do mandarinato chinês também parece evidente a José Vicente Serrão. Na visão deste historiador, embora houvessem duas lógicas político-administrativas no território, Macau só se tornaria hegemonicamente portuguesa a partir de 1844-45, quando as políticas governativas de Ferreira do Amaral resultaram na suspensão do pagamento do foro do chão, na elevação da cidade a porto-franco, na expulsão dos mandarins aí residentes e no início da cobrança de impostos sobre a comunidade sínica, coisa que até então não ocorria [Serrão, 2016, p. 10]. Antes de meados do século XIX, a burocracia Qing tinha por inquestionável a sua soberania em Macau. Para Serrão, “o melhor testemunho dessa sujeição formal do território de Macau ao domínio do Imperador era justamente o chamado foro do chão, prestação anual paga desde 1573 pelos portugueses pela ocupação do território” [2016, p. 4]. Nota-se, ainda, que no início dos oitocentos o que se entendia por Macau era apenas a região ocupada pela fortaleza portuguesa e seu interior, uma vez que tais estrangeiros não possuíam nem reivindicavam o mando das terras extramuros ocupadas pelos chineses [2016, p. 4].

Já para Antônio Vilhena de Carvalho, o exercício do poder em Macau era composto por uma espécie de “dupla ilusão”, onde as autoridades mandarínicas acreditavam ter a soberania de Macau desde Cantão ou Beijing, enquanto que Lisboa, capital do Império Português, julgava que seus vassalos erradicados no dito porto gozassem de algum domínio legal sobre o mesmo, sendo a síntese deste processo apenas um “jogo de aparências” e dissimulação de ambos os lados [Carvalho, 2016, p. 58]. Analisando duas ocasiões de assassinatos contra chineses por indivíduos portugueses no empório na década de 1740, o historiador observa as consequências que tais crimes tiveram para as duas administrações nas tentativas de captura e punição dos culpados.

De modo geral, toda vez que algum chinês fosse morto na Península pela mão de um estrangeiro, as autoridades sínicas de Guangdong imediatamente solicitavam ao Senado de Macau a entrega do réu para julgamento e execução na China Continental. Todavia, uma vez que a comunidade lusitana julgava ter poder jurisdicional sobre os crimes cometidos em seu território, principalmente envolvendo réus de ascendência portuguesa, era comum que suas autoridades buscassem julgar e punir os infratores de acordo com as suas próprias leis. Por conseguinte, sempre que um crime de semelhante natureza ocorria, o problema da soberania sobre Macau novamente dava as caras. Afinal, quem deveria conduzir o julgamento do réu, chineses ou portugueses? A questão se arrastou por todo o século XVIII e ensaiou uma resposta em 1803, quando um Alvará de 26 de Março do mesmo ano acrescentou um parágrafo ao Regimento da Ouvidoria de Macau, determinando que nos casos em que a vítima do homicídio fosse chinesa e o réu incorresse em pena de morte, este deveria ser executado em Macau, sem direito a nenhum recurso [Carvalho, 2016, p. 47-8].

De acordo com Carvalho, a solução encontrada pelo Senado e demais autoridades portuguesas do empório objetivava a execução da justiça por mão lusitana, mesmo que para tanto os moradores tivessem de ceder ao mandarinato, uma vez que os réus deveriam ser julgados e executados em Macau, mas sem admissibilidade de recurso. Ao agir de tal forma, a comunidade macaense evitava a irritação e os desmandos dos Mandarins – que em semelhantes ocorrências pressionavam pelo rápido castigo do réu –, ainda que, ao fazê-lo, abandonasse o próprio procedimento padrão de justiça, que era o de enviar o infrator e os autos do processo até Goa, capital do Oriente Português, onde a Relação do Estado tomaria as providências cabíveis a cada caso [2016, p. 48]. Em suma, Antônio Vilhena de Carvalho vê neste evento um sintoma claro da “dupla ilusão” do exercício de pode em Macau, sendo o pragmatismo “a regra de ouro local”, uma vez que a solução encontrada nesta ocasião acomodou-se as interesses de ambos os lados [2016, p. 58].

 

Dois casos de assassinatos: vítimas chinesas e punição dos culpados

Antes do século XIX, os assassinatos de chineses em Macau sempre ocasionavam muito trabalho às autoridades da comunidade portuguesa. Diante das pressões vindas dos mandarins pela entrega dos réus, era comum que o Senado da cidade reunisse todos os seus homens bons para decidir o que fazer com os criminosos. Estas reuniões de emergência ocorriam toda vez que os demais meios de negociação com a burocracia Qing fracassavam. Por conseguinte, as atas destes encontros fornecem informações valiosas a respeito de como o problema era abordado e resolvido pela “elite” macaense. No caso dos homicídios aqui abordados, tais fontes sugerem que, apesar de todos os esforços lusitanos em tentar assegurar a soberania local, quem prevalecia na execução da justiça na península era o mandarinato.

No que diz respeito aos assassinatos, os esforços das autoridades macaenses em prol da integridade do acusado eram sempre maiores quando o réu era de ascendência portuguesa. Todavia, não deixa de ser surpreendente a “resignação” dos moradores do empório toda vez que tinham de entregar um criminoso que vivesse em Macau, ainda que estrangeiro ou de baixa condição social. Em janeiro de 1790, o Senado convocou os homens bons residentes para tratar da entrega aos mandarins de um moço chamado Sebastião, “que na noite do dia dois de Dezembro próximo passado tinha morto ao china Ahi, para no dito matador executarem a morte” [Arquivo Histórico de Macau, 1965, p. 274]. A julgar pela designação “moço” – que remete a “moço de serviço” –, e pela falta de sobrenome, Sebastião possivelmente era um escravo. Infelizmente a documentação não informa sobre suas origens étnicas, idade ou estado civil. De qualquer forma, a burocracia Qing estava em Macau para levá-lo a Cantão e executarem-lhe a pena capital.

Neste cenário, os presentes na Casa da Câmara decidiam o que fazer. O escrivão do local leu todas as chapas e petições que o Senado enviou aos mandarins na tentativa de evitar a morte do réu, sendo que estes recursos foram prontamente negados desde Cantão. Tanto é assim que, naquele 9 de janeiro de 1790, os referidos mandarins já se achavam na cidade à procura do réu. Quando da votação para definir se Sebastião deveria ser entregue aos funcionários Qing, um dos votos mais influentes fora o de Antônio José Pereira, que afirmou “que isto é caso já bastante vezes acontecido, e que segundo o Estabelecimento desta terra [ele] não acha motivo para escusar o réu da entrega para morrer, porque visto estarmos na terra devemos nos sujeitar a entrega” [AHM, 1965, p. 274-5]. Antônio José da Costa, por sua vez, era do mesmo parecer de seu xará, justificando seu voto “pela experiência que há de casos semelhantes em que a cidade os tem entregues, depois de muitos padecimentos” [AHM, 1965, p.275].

No voto de Antônio José Pereira, chama atenção o fato de que este homem reconhecia a soberania chinesa em Macau, visto que eram os portugueses quem estavam na terra alheia e que, portanto, deveriam se sujeitar ao mando local. Já Costa sugere que o mandarinato levava a melhor em semelhantes casos, uma vez que a experiência diz que o comum era a entrega dos réus para as autoridades sínicas. Houve votos discordantes ao longo da reunião, mas ao final dela “assentou-se uniformemente que se faça a Chapa na forma substanciada e que não surtindo efeito se entregue o réu matador” [AHM, 1965, p. 275]. Portanto, o Senado tentaria outra vez por intermédio de uma petição evitar a morte de Sebastião, mas admitiu que, uma vez que ela não conseguisse sensibilizar os mandarins, o réu deveria ser entregue a eles, o que provavelmente ocorreu, visto que o caso não é mais citado na fonte aqui analisada.

No ano seguinte, em novembro de 1791, um outro assassinato causou grandes discussões no Senado de Macau. No dia 12 do referido mês, autoridades e homens bons da cidade se reuniram para tratar do destino do réu Pedro Renquillo, sendo este “preso por ser o único culpado nas três mortes feitas aos chinas” [AHM, 1965, p. 283]. Renquillo fora designado no registro notarial como “filho de Manila”, ou seja, um homem nascido nas Ilhas Filipinas, reduto espanhol no Oriente desde meados do século XVI. De fato, o réu confessou ter matado os três chineses no dia de 7 de outubro do mesmo ano, admitindo o crime tanto para as justiças da cidade quanto para o mandarim que veio ao empório averiguar o caso. Novamente, desde Guangdong chegavam repetidas chapas em que solicitavam a entrega do réu às autoridades sínicas para que este fosse julgado no Tribunal de Cantão.

No que diz respeito à votação pela entrega de Pedro Renquillo, o voto mais influente, sem a menor sombra de dúvidas, fora o de Manoel Vicente Barros, que advogou pela entrega do réu argumentando “que assim como nós não temos autoridade para sentenciar a morte, também lhe parece não ser de nós próprios a execução” [AHM, 1965, p. 284]. Barros ressalta este ponto dizendo que nem o Rei de Portugal e tampouco o governador do Estado da Índia “têm firmado a regra que a este respeito se há de ter, e que se deve seguir o estilo antigo de se entregar o réu aos chinas” [AHM, 1965, p. 284]. De fato, o contundente voto de Vicente Barros fora seguido na sua integridade pelos seis votantes subsequentes. Mesmo os homens que discordaram o fizeram discretamente. Simão de Araújo Rosa concordara com a execução do réu, mais reiterou que “se há algum meio pelo qual se possa vencer dos chinas, o ser [o] réu morto por gente nossa, que lhe parecia isso muito a propósito [AHM, 1965, p. 284].

Dos trechos acima transcritos, nota-se a importância das falas atribuídas pelo escrivão a Manoel Vicente Barros. Este morador evidenciara que a comunidade portuguesa não tinha autoridade para sentenciar nem a morte nem a execução do Réu, e que este deveria ser entregue aos mandarins de acordo com o “estilo antigo”, ou seja, tal como se fazia até então. Barros também lembra que até o referido momento nenhuma das autoridades do Império Português, da Metrópole ao Estado da Índia, havia definido qual seria o procedimento padrão que a comunidade macaense deveria seguir em semelhantes casos. Portanto, mais uma vez, o Tribunal de Cantão prevalecia na condução e julgamento dos crimes locais, tendo o empório de se sujeitar aos mandarins após semanas de negociações e recusas.

Na sequência da votação, o Desembargador e Ouvidor Geral da cidade, Lázaro da Silva Ferreira, ratificou o voto da maioria argumentando “que este réu não pode ser executado por nossas justiças porque elas não tem autoridade para impor pena capital, e sem sentença não pode haver execução” [AHM, 1965, p. 284]. Como vimos no início deste artigo, as autoridades de Macau só terão a liberdade de executar os réus na cidade a partir de 1803, de acordo com o Alvará de 26 de Março do mesmo ano. Seguindo com suas considerações, Silva Ferreira dá o seu parecer final sobre o caso: “e que sendo o costume proceder sentença no Tribunal de Cantão, esta é a que deverá executar-se, enquanto Sua Majestade não mandar o contrário” [AHM, 1965, p. 284]. Por conseguinte, uma vez sentenciado o destino de Pedro Renquillo, o desembargador ainda observa: “Que a execução, havendo-a, deverá assistir o Procurador do Senado com os Juízes, para que o réu morra, se assim for sentenciado, segundo o costume, sem novidade que agrave a pena” [AHM, 1965, p. 284].

Os trechos transcritos acima sugerem uma clara subordinação das autoridades portuguesas diante do mandarinato na execução das justiças. O desembargador da cidade, Lázaro da Silva Ferreira, admitiu que enquanto o Rei de Portugal não intervisse  diretamente na situação, no sentido de estabelecer um procedimento adequado para semelhantes casos, a tendência costumeira de se entregar os réus aos chineses permaneceria vigente. Tudo o que a elite local poderia fazer “em prol” do réu se limitava a acompanhar seu julgamento e sua possível execução nos Tribunais de Cantão, e isso tão somente para evitar que os culpados sofressem algum tipo de abuso ou penas injustas.

 

Considerações finais

Este artigo buscou abordar a problemática da soberania em Macau a partir da correlação entre a historiografia sobre o assunto e uma breve análise documental. De fato, o exercício da justiça no empório foi um importante termômetro para indicar quem prevalecia nos assuntos da cidade. Como vimos na primeira parte deste trabalho, alguns historiadores lusitanos tendem a reconhecer que, embora as instituições europeias estivessem presentes no empório, seu pleno funcionamento não se deu antes de meados do século XIX, quando a comunidade macaense se aproveitou das derrotas chinesas na primeira Guerra do Ópio para impor seu domínio efetivo na Península. Até então, Macau passara quase três séculos com bons graus de autonomia estrangeira, ainda que as autoridades sínicas não tivessem dúvidas a respeito da sua soberania sobre o território.

Como este artigo tentou demonstrar, toda vez que aconteciam assassinatos de chineses por indivíduos residentes em Macau, o mandarinato prontamente solicitava a entrega dos réus para serem julgados em Cantão. No final do século XVIII, as autoridades portuguesas do empório, ainda que se esforçassem para conduzir o julgamento dos culpados, não conseguiam resistir por muito tempo às contínuas pressões perpetradas pelos mandarins. Nos dois casos aqui analisados, tanto Sebastião quanto Pedro Renquillo tiveram de ser entregues à burocracia Qing semanas após cometerem os homicídios. Nas reuniões do Senado aqui analisadas, notou-se que muitos dos moradores presentes votaram pela entrega dos réus alegando falta de autoridade ou instrução régia por parte dos portugueses, bem como certa sujeição ou obediência ao costume de ceder os criminosos aos mandarins, o que sugere a soberania destes no tocante à justiça de toda a Península. Entretanto, as evidências aqui apresentadas para sustentar esta afirmação são poucas, sendo necessárias novas e amplas pesquisas para testar tal hipótese.

 

Referências

Luis Fernando Masiero é acadêmico do curso de Licenciatura em História pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de União da Vitória.

 

Fontes

ARQUIVO HISTÓRICO DE MACAU. Arquivos de Macau, 3a Série, Vol. IV, n° 5. Macau, Imprensa Nacional, Novembro de 1965.

 

Bibliografia

CARVALHO, Antônio Vilhena de. Para não perturbar os mandarins irritados: a propósito de um parecer do Procurador-Geral da Coroa (1847). Revista do Ministério Público, n° 146, Abril – Junho de 2016, p. 47-60.

MONTEIRO, Anabela Nunes. Macau e a presença portuguesa seiscentista no Mar da China: interesses e estratégias de sobrevivência. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra. Coimbra, p. 826. 2011.

SERRÃO, José Vicente. Macau no século XIX: um território, dois impérios. 2016. Disponível em:<https://www.academia.edu/3521722/Macau_no_s%C3%A9culo_XIX_um_territ%C3%B3rio_dois_imp%C3%A9rios>. Acesso em 24 agosto de 2020.

 

4 comentários:

  1. Oi, Luis. Gostei bastante, texto bem escrito e muito claro.

    Tenho algumas perguntas:

    1) Que tipo de documento você usou para a análise? Não parece se tratar de processos criminais, uma vez que não há sentença e, como o artigo coloca, os portugueses não possuíam autoridade judicial nesses casos.

    2) Ainda sobre os documentos, como você entrou em contato com essa documentação? Quais são as condições de acesso? E, talvez sendo muito detalhista, quais são as condições de leitura, em termos de preservação, caligrafia, características idiomáticas do período, etc.?

    3) Adentrando o conteúdo, o texto deixou bem claro os motivos de os português não quererem afrontar os mandarins, mas qual era o interesse do império chinês na permanência dos portugueses no território?

    4) Aqui você apresenta casos de homicídio, mas você chegou a observar se outros tipos de crime também tinham essa dinâmica de as autoridades chinesas requisitarem os réus?

    5) Por último, você teria algumas leituras para indicar para alguém que tenha interesse em conhecer mais sobre a história de Macau?

    Agradeço por antecipação,

    YARA FERNANDA CHIMITE

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Olá, Yara! Obrigado pelo elogio! Vou tentar lhe responder da melhor forma possível.

      1) Eu utilizei as atas do Leal Senado de Macau, mais precisamente os Termos de Assento,documentos redigidos pelo escrivão da Câmara ao final das reuniões realizadas na instituição. Infelizmente ainda não encontrei os processos criminais no Arquivo Histórico da cidade, pelo menos não no seu repositório digital.

      2) Essa é uma pergunta bem interessante. O Arquivo Histórico de Macau possui um repositório digital totalmente livre e gratuito, sem necessitar de senha ou cadastro. Eu encontrei o repositório por conta, quase ao acaso, no ano passado, enquanto pesquisava fontes para a minha monografia. Em relação às condições de leitura, devo lhe dizer que grande parte das fontes do Senado de Macau já foram transcritas, impressas e digitalizadas.No site do Arquivo você encontra as duas versões, os manuscritos originais e seus equivalentes impressos. As imagens dos originais são ruins, não são em alta definição como os Arquivos da Torre do Tombo, mas é possível realizar a leitura, apesar da grafia ruim. Contudo, bem mais fácil é utilizar as fontes já impressas, que preservaram a escrita da época. Vou lhe deixar o link do repositório para que você possa acessar: https://www.archives.gov.mo/pt/ . Acesse o "Catálogo da Documentação" para os manuscritos originais e "Arquivos de Macau" para seus equivalentes impressos.

      3) Sobre a permanência do portugueses na China, sabe-se que na primeira fase do relacionamento luso-chinês, desde a fundação da cidade na década de 1550 até 1640, os portugueses ocuparam um lugar central enquanto intermediários do comércio entre a China e o Japão, visto que os dois reinos eram rivais e não mantinham contatos oficiais entre si. Depois desse período e até 1840, os portugueses pagavam anualmente uma espécie de arrendamento pelo território que ocupavam, além de se comprometerem em auxiliar as autoridades chinesas na defesa do território contra piratas e comerciantes estrangeiros. Mesmo assim, a permanência dos portugueses na região foi constantemente negociada pelos lusos, que constantemente se viam ameaçados de serem despejados do local por conta de guerras e dinâmicas sínicas internas.

      4) Pelo que informa a documentação em português, as intervenções da Justiça chinesa em Macau se davam majoritariamente nos casos de homicídios cometidos pelos residentes estrangeiros sobre a população chinesa. Os mandarins também solicitavam a entrega de ladrões e fugitivos da China continental que se refugiavam em Macau. No restante dos casos, as autoridades portuguesas conservavam grande autonomia em suas justiças e não sofriam grandes interferências do Mandarinato para além de visitas ocasionais ou memorandos informativos.

      5) Acho que a principal obra para começar os estudos sobre Macau é um livro sobre a relação política entre portugueses e chineses. O nome da obra é "Estudos de História do relacionamento luso-chinês", organizado por António Vasconcelos de Saldanha e Jorge Manuel dos Santos Alves. Você encontra a versão em PDF na Internet, mas caso não encontrar eu posso te enviar por e-mail (luis.masiero@gmail.com). Mais acessível talvez seja "A águia e o dragão", de Serge Gruzinski, que também trata sobre as primeiras expedições lusas na China. Por fim, a tese da Anabela Monteiro, citada nesse artigo, é bem completa para começar os estudos. Charles Boxer tem muitas obras escritas sobre Macau, mas não em quase nada dele disponível para baixar na internet.

      Espero ter respondido seus questionamentos. Agradeço pela leitura e pela interação!

      Luis Fernando Masiero

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    3. Obrigada pelas respostas. Gostei muito da tua pesquisa. Me deu várias ideias.

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