Renan Morim Pastor

 

OS JESUÍTAS E A PRIMEIRA CONTROVÉRSIA DOS RITOS CHINESES


 

O método de evangelização dos jesuítas na China sempre foi um divisor de opiniões, seja entre os historiadores hoje em dia ou entre os próprios membros da Igreja e da Companhia de Jesus nos séculos XVI e XVII. Se no presente historiadores modernos dividem suas análises sobre a eficácia e o relativo sucesso ou fracasso do método evangelizador dos missionários na China, no passado instituições e agentes religiosos também tinham opiniões diversas sobre o método citado anteriormente, conhecido como “acomodação cultural”, onde os jesuítas deveriam se adaptar ao modelo social baseado em comportamentos, código de conduta e vestimentas que fossem bem aceitos pela população local e que estivessem mais de acordo com o modelo religioso europeu. Isto incluía também o estudo da língua e dos costumes locais, além de permitir aos conversos certas manifestações culturais que não fossem contrárias ao cristianismo [Jimenez, 2002, p. 220]. É neste último ponto em que se concentravam a maior parte das críticas feitas por membros da Igreja e missionários da Companhia de Jesus e de outras ordens com relação à missão da China e da suposta leniência dos jesuítas, principalmente com relação ao culto aos ancestrais e as honrarias oferecidas para Confúcio, quando praticadas por conversos.

A controvérsia dos ritos chineses mais conhecida aconteceu no século XVIII e resultou no banimento da maioria dos jesuítas atuando na China, por decreto do Imperador Kangxi. Todavia, os primeiros indícios de conflitos entre os jesuítas e os críticos da missão com relação aos ritos chineses começaram ainda no século XVI, quando o italiano Matteo Ricci comandava a missão da China. É sobre a primeira controvérsia dos ritos chineses que vamos nos debruçar aqui, e o melhor ponto para começarmos é definir que ritos são estes.

 

O que eram os “Ritos Chineses”

Na China Ming havia uma série de diferentes rituais utilizados pela população. Muitos destes rituais eram diferentes de província para província, influenciadas pelos costumes religiosos locais [folk religions]. Todavia, alguns cultos e rituais eram comuns e praticados em múltiplas províncias de forma similar. Um deles era a prática do culto aos ancestrais, considerada a forma de devoção mais antiga da história chinesa, que coexistiu com diversas formas de religião durante a história da China. A prática de culto aos ancestrais era comum a toda população, independente da classe social. Durante a Dinastia Ming, as casas na China possuíam um pequeno altar com tabletes de madeira pintados com os nomes dos ancestrais. Nesse altar, um membro da família [normalmente o filho mais velho] depositava oferendas como alimentos e acendia incensos em ocasiões especiais [Fontana, 2011, p. 61].

Os ritos dedicados a Confúcio eram praticados em todas as cidades, onde nela havia um templo dedicado ao filósofo, que também era considerado protetor da classe burocrática chinesa e exemplo a ser seguido por todos os letrados. No templo poderia haver uma estátua de Confúcio ou uma tabuleta de madeira com seu nome e os de seus mais importantes discípulos. Nestes templos, em todas as noites de lua cheia ou nova, os oficiais de governo [mandarins, como eram conhecidos pelos europeus] acendiam incensos em homenagem ao filósofo. No dia do aniversário de Confúcio, 28 de setembro e em algumas épocas específicas do ano, havia o oferecimento de animais mortos, alimentos, música e celebração [Rule, 1972, p. 155].

Em todas as províncias existiam também os rituais de veneração às entidades locais. Cada cidade era protegida por uma divindade, a quem os novos funcionários de estado faziam reverência ao tomar posse de seu cargo. Essas entidades eram normalmente associadas a rios, montanhas, florestas, fenômenos naturais ou aos espíritos de pessoas importantes do passado. A manutenção de templos e a administração de questões rituais era controlada pela Comissão de Ritos de cada província. Na maioria das vezes, o papel dos letrados confucianos nesses rituais regionais era limitado apenas a observação ou organização dos grandes festivais [com exceção do ritual na posse do cargo], enquanto para o resto da população estes rituais consistiam em uma busca por proteção e agradecimento por eventos fortuitos [Fontana, 2011, p. 61].

O Imperador também era responsável por alguns rituais específicos, como sacrifício anual para a Terra e o Paraíso. Na China Ming, o Imperador era classificado como “filho do paraíso” e seu governo era sancionado por um mandato divino, com a função de organizar a sociedade a fim de garantir a harmonia entre os mundos celestial e terrestre. Além do sacrifício anual, havia também uma cerimônia mensal realizada em um templo conhecido como “Palácio da Luz”, localizado dentro do Palácio Imperial, onde o governante seguia um caminho específico dentro do templo, que correspondia o movimento do sol durante as quatro estações do ano [Fontana, 2011, p. 60].

Todos os rituais descritos anteriormente foram documentados e examinados pelos jesuítas e seus críticos, que consideravam tais práticas como idólatras e que deveriam ser abolidas para os conversos. Os jesuítas da missão da China, por outro lado, consideravam as práticas como civis e culturais [com exceção de algumas ressalvas em relação ao ritual oferecido aos espíritos protetores das cidades], e esta defesa dos jesuítas para a manutenção dos ritos chineses será o foco da nossa segunda análise aqui.

Todavia, é preciso ressaltar que quando um letrado confuciano se convertia ao cristianismo, não era necessariamente obrigado pelos missionários a abandonar certos traços de sua cultura. Se os jesuítas apresentavam o cristianismo como um complemento ao confucionismo, era esperado que os conversos se comportassem mais ou menos da mesma forma que faziam antes da conversão, principalmente na esfera pública, onde certos rituais eram parte de suas funções de estado. É possível que os conversos tivessem a sua monogamia [imposta pela conversão ao cristianismo e incomum aos mandarins] vista como algo excêntrico pelos outros letrados, e a devoção dos conversos unicamente a tianzhu [Senhor do Paraíso, nome escolhido pelos jesuítas na cultura chinesa para designar ao Deus cristão] poderia gerar interessantes debates filosóficos em reuniões, mas essencialmente seus modos e sua rotina permaneciam a mesma dos outros mandarins [Rule, 1972, p. 153-154].

 

A interpretação jesuíta dos ritos chineses

A permanência dos ritos era uma questão delicada e pública, que envolvia não só o status social do converso, mas também as suas chances de ascender na esfera dos serviços públicos no Império. Não apenas isso, mas os rituais executados pelos letrados confucianos definiam e confirmavam o status social da pessoa, além de estar intrinsecamente imbuídos nos códigos de conduta confucianos. Por esse motivo, os jesuítas sempre foram muito cautelosos em descrever tais rituais em suas cartas e livros dedicados ao público europeu. Nos livros em que escreviam em chinês, o assunto não era abordado, o que o sinólogo Paul Rule viu como uma aceitação do status quo destes rituais na sociedade chinesa [Rule, 1972, p. 127].

Matteo Ricci foi um dos jesuítas que mais se debruçou sobre esta questão no período inicial da missão da China, e sua visão sobre os ritos confuncianos estava totalmente atrelada à sua própria interpretação do confucionismo em si, descrita em seus diários e cartas: um sistema de éticas e uma filosofia social, cujo objetivo, nas próprias palavras de Ricci seria: “a paz e a quietude do reino e um bom governo das famílias e seus membros individuais. Nestes assuntos seus conselhos são muito bons, completamente em conformidade com a luz da natureza e a verdade católica” [Rule, 1972, p. 154]. A partir desta citação, Paul Rule ressalta que Ricci, posteriormente define o confucionismo não como uma seita, propriamente dita [como seriam o budismo e o taoísmo], mas como uma sociedade letrada, uma academia que existe para o bem da sociedade e que sendo desta forma, cristãos poderiam muito bem frequenta-la [Rule, 1972, p. 154-155].

É a partir desta interpretação do confucionismo que Ricci encara os ritos, como costumes sociais utilizados para promover ordem na sociedade, honrando e relembrando os grandes mestres do passado e a sabedoria dos ancestrais. O argumento principal de Ricci para a permissão dos rituais era de que eles se encontravam fora da esfera religiosa e isolados das superstições budistas e taoístas. Ricci também ressaltava que sua leitura dos clássicos confucianos mostrava que na China antiga houvera uma religião monoteísta que era seguida por todos, mas que com o tempo e a influência de seitas estrangeiras, como o budismo, foi adquirindo adições idólatras em suas práticas, e que os chineses poderiam então ser reeducados a uma volta a esta forma antiga de monoteísmo, que serviria como um estágio primitivo na jornada da China em direção ao cristianismo [Lach, 2008, p. 184].

O jesuíta posteriormente reforça seu argumento ao fazer uma comparação com os ritos budistas, que contavam com a participação dos monges e de sacerdotes cultuando os diversos ídolos do panteão budista, com rezas e cânticos, ao passo que os ritos confucianos não configuravam ato de veneração à nenhuma entidade divina, mas apenas celebrações da ordem natural e moral do universo [Rule, 1972, p. 154-155]. Nestes rituais dedicados à Confúcio, Ricci não via qualquer tipo de falsa idolatria, como acusavam os críticos da missão, pois Confúcio não era considerado uma divindade e os letrados não rezavam ou pediam coisa alguma para ele, sendo o objetivo do ritual apenas um agradecimento pela doutrina e os ensinamentos de Confúcio, sem os quais estes letrados não teriam seus cargos e o Império não teria seu bom governo. Nas palavras de Ricci, que ao elogiar a sabedoria do filósofo, aponta: “Não é por menos que todos os letrados e também todos os reis por tanto tempo, o veneram, não em forma de Deus algum, mas com cerimônias de homem mortal, e professam reconhece-lo, com um animo agradecido pela doutrina que receberam” [Ricci, Trigault, 1621, p. 15]

Em relação aos ritos familiares de veneração aos ancestrais, Ricci interpretou e tentou demonstrar em sua escrita que os chineses não acreditavam que os espíritos de seus ancestrais pudessem de fato fazer algo por eles, ou que tivessem qualquer tipo de propriedade divina, o que descartaria os ritos como práticas idólatras. Nas palavras de Ricci, os ritos:

“São para servir aos mortos como se estivessem em vida. Não que eles acreditem que os mortos podem voltar para comer as comidas ou que precisem dela, mas eles dizem fazer isso por não saberem de nenhuma outra forma de mostrar o amor e gratidão que sentem por eles. Alguns dizem que essa cerimônia foi feita mais para os vivos do que para os mortos, para ensinar às crianças e aos ignorantes como servir aos pais enquanto ainda estão vivos [...] e como eles não reconhecem nenhuma divindade em seus mortos, não pedem nada a eles, nem esperam nada deles, a prática é livre de qualquer idolatria e talvez possa até ser dito que não envolve nenhum tipo de superstição” [Rule, 1972, p. 160].

Apesar da interpretação neutra deste tipo de costume, Ricci continua fiel à sua proposta de um cristianismo que poderia complementar o confucionismo para os letrados [e simplesmente substituir as religiões locais para a população comum]. Se os chineses não sabiam nenhuma outra forma melhor de agradecer aos ancestrais, o missionário sugere que essa prática poderia ser substituída no futuro, pelo ato de dar esmolas aos pobres, pelas almas de seus antepassados [Rule, 1972, p.160].

Com relação aos rituais oferecidos pelo Imperador e os locais, direcionados aos espíritos das montanhas e dos rios, Ricci não faz qualquer comentário além das descrições dos mesmos. Todavia em relação aos ritos para os espíritos protetores, o jesuíta ressalta que a população comum acreditava que estes espíritos poderiam recompensar ou punir as pessoas, mas não faz qualquer comentário mais detalhado, nem qualquer tipo de julgamento. Já Nicolas Trigault, ao editar as memórias de Ricci para publicação classifica esses espíritos como “deuses das cidades”, o que posteriormente causou debates e criticismo dos oponentes dos jesuítas, com relação a já mencionada leniência dos missionários com os conversos que se envolvessem neste tipo de ritual. Para se defenderem, alguns jesuítas posteriores à Ricci argumentavam que estes “espíritos protetores” seriam análogos aos anjos da guarda, o que validaria as cerimônias [Rule, 1972, p. 159].

Como se vê, a maneira como Ricci e os outros jesuítas descreveram os ritos chineses [principalmente aqueles ligados ao confucionismo] em suas cartas e livros – insistindo sempre em os atrelar à natureza filosófica e social do confucionismo, ressaltando sempre a ausência de divindades e de motivações religiosas em tais rituais – além da aprovação do Visitador Alessandro Valignano ajudaram a manter sob controle a estabilidade da missão e do método de evangelização escolhido pelos jesuítas naquele período, mesmo diante das críticas, principalmente dos jesuítas da missão japonesa e dos dominicanos. Todavia, após a morte de Valignano [1606] e Ricci [1610], a força destes ataques aumentou.

Em 1643, o missionário Juan Bautista de Morales chegava à China com o primeiro grupo de dominicanos e no mesmo ano fez uma acusação formal contra os jesuítas da missão de Pequim, acusando a existência de práticas idólatras por chineses conversos, inclusive proibindo seus próprios conversos de praticarem os rituais aos ancestrais e para Confúcio [Rule, 2009, p. 289]. Não apenas isso, mas os jesuítas relataram que muitos dominicanos pregavam aos chineses de que seu rei estaria errado em seus costumes e que Confúcio estaria no inferno [Brockey, 2007, p. 107]. As acusações de Morales foram ignoradas pelas autoridades jesuítas, o que fez com que o dominicano apelasse para a Santa Sé. O Papa Inocêncio X decidiu em favor de Morales e a partir de 1645 a Igreja passa a considerar os rituais chineses incompatíveis com a fé católica. Todavia, os jesuítas ignoraram as ordens vindas de Roma e mandaram para a Europa o italiano Martino Martini em 1651, para defender a manutenção dos ritos. Martini não só conseguiu convencer o Papa a voltar atrás com a decisão, demonstrando grande conhecimento da língua e dos costumes chineses ao relatar a interpretação destes ritos para as autoridades eclesiásticas [Brockey, 2007, p. 119], como também voltou para a China com trinta e cinco novos missionários e recursos financeiros para ajudar na continuidade da missão. Os dominicanos tentaram apelações em mais duas oportunidades, mas ambas foram negadas, o que motivou o dominicano Domingo Navarrate a publicar uma obra escrita chamada de “Tratados” [Rule, 2009, p. 294], que foi basicamente um ataque ao método jesuíta de evangelização na China. Todavia, mesmo com as apelações dos adversários dos jesuítas negadas, os debates e as discussões sobre o assunto continuaram ocorrendo na Europa, e em 1665, já haviam sido organizadas mais de setenta conferências para tratar do assunto [Fontana, 2011, p. 291-293].

Entre 1667 e 1668, durante uma série de reuniões, os missionários atuantes na China, incluindo dezenove jesuítas, três dominicanos e um franciscano chegaram a um acordo, onde concordavam que os rituais aos ancestrais e a cerimônias para Confúcio seriam mantidas [Brockey, 2007, p. 133]. A decisão manteve a paz por alguns anos, até que graças às ações do Vigário apostólico de Fujian, Charles Maigrot [membro da Société des Missions Étrangères], uma nova questão dos ritos chineses acabaria por eclodir, com consequências muito mais severas para as missões na China em geral, que não é nosso foco aqui, mas que poderá ser abordada em um estudo futuro, utilizando o que vimos aqui como um bom ponto de partida.

 

Conclusão

Quando analisamos a interpretação dos jesuítas [principalmente aqueles da primeira geração, como Ricci e Trigault] sobre os ritos chineses, quando descritas em suas cartas, comunicações e livros, é possível perceber que os missionários entendiam o quão delicada a questão era, tanto cultural quanto socialmente. É possível imaginar que a perturbação destes rituais, existentes na sociedade chinesa desde os tempos antigos com certeza não ajudaria os prospectos de missão dos jesuítas, principalmente na China, onde não tinham qualquer tipo de apoio militar europeu [como na Índia ou nas Américas] e sua permanência dependia de não perturbarem uma harmonia social que já se encontrava em um momento extremamente delicado, no fim da Dinastia Ming.

Também é possível conjecturar que os jesuítas esperassem o criticismo vindo de seus adversários e muitas das descrições que fizeram destes rituais tentaram ressaltar o quanto os jesuítas interpretavam aquelas ações como não-religiosas e fora da esfera da idolatria, principalmente se envolvessem os letrados confucianos e seu patrono Confúcio, do qual os jesuítas interpretaram ter uma filosofia que poderia ser compatível com o cristianismo. Os missionários sempre estavam prontos a exaltar que os chineses não rezavam nem pediam nada, tanto a Confúcio quanto aos seus ancestrais nestes rituais, reforçando sua natureza civil e destacando sempre a ausência de idolatria, algo atrelado a própria interpretação jesuíta do confucionismo como uma filosofia natural, derivada de uma religião monoteísta perdida, ao invés de uma seita pagã.

 

Referências

Renan Morim Pastor, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História pela UFRRJ. Bolsista CAPES.

E-mail: renanp8989@gmail.com

 

Bibliografia Citada

BROCKEY, Liam Matthew, Journey to the East: The Jesuit Mission to China, 1579-1724. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 2007.

CERVERA JIMENEZ, José Antonio, La Interpretación ricciana del confucionismo. Estudios de Asia y África, XXXVII (maio – agosto), 2002.

FONTANA, Michela, Matteo Ricci: A Jesuit in the Ming Court. Maryland. Laham: Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 2011.

LACH, Donald F. Asia in the Making of Europe: Volume I: The Century of Discovery. University of Chicago Press, Chicago, 2008.

RICCI, Matteo. TRIGAULT, Nicolas, Istoria de la China I Cristiana empresa hecha en ella por la Compañia de Iesus. Sevilla: por Gabriel Ramos Veiarano, 1621. Biblioteca da Universidade Complutense de Madrid.

RULE, Paul A. K’ung Tzu of Confucius? The Jesuit Interpretation of Confucionism. 1972.  498f. Tese (Doutorado em Filosofia) Australian National University, Camberra, 1972.

RULE, Paul A. The Chinese Rites Controversy: Confucian and Christian Views on the Afterlife. Studies in church history 45, 2009.

 

10 comentários:

  1. Boa tarde Renan! Sempre bom encontrar um amigo em eventos acadêmicos, presencial ou online! Parabéns pela pesquisa e texto!
    Achei muito interessante a questão dos ritos chineses. Passa longe de ser o que eu estudo, mas cheguei a ler algumas coisas sobre a questão dos ritos no Malabar e o Adone faz uma reflexão sobre esta questão de ser religioso ou civil, talvez possa te acrescentar. Segue a indicação: Religião e Política nos Ritos do Malabar
    (séc. XVII): Interpretações diferenciais
    da missionação jesuítica
    na Índia e no Oriente (https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/24163)

    Eu achei interessante a aprovação do Valignano. Eu li algumas cartas dele, mas todas referentes a um período anterior ao que você estuda. Me surpreendeu a aprovação dele, pois nas cartas ele sempre tem uma postura bem "conservadora", se assim posso afirmar, ainda que ele tenha também desenvolvido método de acomodação no Japão. Enfim, uma curiosidade: O Ricci teve críticos tanto dentro da Companhia de Jesus quanto fora. Fiquei intrigada com a questão dos dominicanos, qual a razão dessas disputas? era pelas abordagens distintas? questão de dogma? disputa por fiéis? Outra coisa, O Ricci recebeu crítica dos jesuítas que estavam atuando no Japão, onde também se desenvolveu a abordagem de acomodação, por que criticar então os métodos de acomodação na China?

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    1. Boa noite Camila! É realmente sempre uma satisfação encontrar amigos em eventos acadêmicos, especialmente em um evento que abrange as nossas áreas dessa forma. Agradeço muito o elogio e o artigo!

      Sobre as suas questões, vamos lá: Os dominicanos normalmente possuíam uma abordagem mais tradicional e agressiva, não muito compatível com a política de acomodação jesuíta. Em lugares onde os religiosos tinham proteção militar, como nas Américas e em lugares da Índia, é provável que muitas destas disputas tivessem realmente diferenças dogmáticas (em que a acomodação em algumas instâncias acabaria beirando a idolatria, se os jesuítas permitissem demais, como no caso da China ou do Roberto de Nóbili, na Índia, por exemplo). Na China havia o problema adicional de não haver qualquer tipo de proteção militar, em um lugar onde a missão estava sempre apoiada em fatores frágeis, como a amizade dos jesuítas com mandarins letrados e a abordagem agressiva dos dominicanos gerava confrontos e atenção desnecessária, uma vez que os chineses colocariam tanto dominicanos como jesuítas "no mesmo barco" e isso pudesse colocar por água a baixo todos os esforços da missão com a expulsão de estrangeiros, por exemplo (algo que poderia acontecer, quando você começa a pregar contra a palavra do Imperador e dizer que Confúcio estaria no inferno).
      Sobre a segunda pergunta, a crítica dos jesuítas do Japão se baseava na visão deles de que Ricci e os outros teriam ido longe demais em sua acomodação e que teriam de fato, se convertido em mandarins, e que a permissividade com os ritos aos ancestrais e a Confúcio estavam criando cristãos idólatras. Não apenas isso, pois existia também outras questões fora do âmbito religioso que poderiam motivar tais críticas, como a disputa no número de conversões e a divisão de fundos para a missão, acabando por gerar também uma rivalidade entre elas.

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  2. Olá Renan! Parabéns pelo texto. Ficou bem clara a oposição entre as estratégias de evangelização das diferentes ordens missionárias, e é interessante ver como esse debate chegou ao Vaticano e ganhou tanta importância.

    Como alguém que ainda não tem tanta familiaridade com o tema, gostaria de perguntar uma coisa. Sabemos que, de forma geral, os confucionistas receberam bem Ricci e outros jesuítas que seguiam o método da acomodação. Mas existe alguma informação sobre como os chineses receberam os missionários que não adotaram esse método, como os dominicanos? Como os chineses reagiram ao discurso mais combativo e aos "ataques" ao confucionismo?

    Bruno Stori

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    1. Boa noite Bruno, muito obrigado pelo elogio e pelo comentário.

      Bom...é um pouco otimista dizer que os confucionistas receberam "bem" Ricci no geral. Nem todas as recepções foram boas e a missão sofreu inúmeros ataques ao longo dos anos, alguns vindos de confucianistas bem ortodoxos, contrários a qualquer influência estrangeira (o que os colocava contra o budismo também, em algumas instâncias). O número de conversos também foi baixo, comparado com outras missões, e embora alguns confucianos importantes tenham se convertido, a monogamia acabava sendo algo que interferia para aumentar esse número. Então eu diria que a mensagem de Ricci e seu método era...exótico, para alguns, mas não algo que se alastrou pelos círculos letrados ou que causou um grande número de conversões.

      Sobre a reação dos chineses ao método dos dominicanos, essa não é a minha área de pesquisa, mas pela leitura de fontes e de bibliografia, sei que com relação a maioria iletrada que compunha a população chinesa (afinal, mandarins e letrados eram minoria), a mensagem dos dominicanos tinha algum efeito, talvez pela teatralização das abordagens e o fato de que o confucionismo não era difundido entre os mais humildes, já que seu estudo necessitava de uma carga de leitura muito alta. Mas isso também acontecia com os jesuítas, que suavizavam seu discurso na hora de tentar converter as camadas mais humildes da população.

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  3. Muito bom o texto Renan. Achei incrível como os jesuítas se adaptavam aos contextos em que se inseriram e os diferentes tipos discursivos e interpretativos que eles moldavam sobre esses rituais chineses. Enxergo também que quando os jesuítas não buscaram aprofundar sobre o ritual dos Imperadores e rituais locais tinham como objetivo não causar discórdia nem com o Imperador, muito menos alertar os seus superiores dessas práticas ritualísticas. Porém, o que gostaria de perguntar, como estudo os fenômenos da bruxaria e feitiçaria, se você, em suas pesquisas, já encontrou algum caso em que os jesuítas ou cristãos em solo chinês ou japonês denominaram alguma prática ou rito como demoníaco ou herético?
    Desde já, muito obrigada!
    Laís Prestes Redondo

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    1. Boa noite Laís, muito obrigado pelas considerações!!

      Em relação a sua pergunta...eu não encontrei nas minhas fontes acusações diretas de bruxaria ou rito demoníaco. Os jesuítas consideravam certos rituais taoístas e budistas como pagãos, ou como enganações (tal qual o Feng Shui, por exemplo, que contava com a ajuda de geomancistas e que os jesuítas consideravam pura superstição.).

      Todavia, os jesuítas disputavam com os budistas o posto de exorcistas. Em caso de "possessões" ou de pessoas agindo de forma estranha ou doenças súbitas, budistas eram chamados para promover rituais de exorcismo ou purificação. Os jesuítas também, depois de um tempo pegaram fama de ótimos exorcistas e isso inclusive atiçou ainda mais a rivalidade entre cristianismo e budismo na China, mas eu não posso te dizer especificamente de algum ato ou ritual específico nos termos que você perguntou.

      Se quiser, você pode deixar seu e-mail aqui e caso eu encontre algum eu posso avisar você, com as referências.

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  4. Olá, Renan! Primeiro, preciso elogiar sua excelente escrita. O tema apresentado é um pouco distante daquilo que estudo, e mesmo assim consegui entender todos os pontos propostos. Parabéns!

    Fiquei muito instigado com o posicionamento dos jesuítas na manutenção dos rituais, e a gente vê o Ricci tentando justificar, fazer uma espécie de comparação ao que era pregado pelo catolicismo. É interessante pensar como, talvez, fosse fácil emitir uma bula papal determinando que os rituais fossem abolidos, mas os missionários que estavam vivenciando na prática acabam "ignorando" isso. Você já conseguiu ter um desdobramento maior sobre as razões para essa justificativa ou é pela comparação ser um bom mecanismo missionário? Como não domino o tema, talvez não seja um questionamento válido, mas seria possível que o confucionismo, pelo tempo, pela familiaridade, pela justificação teórica e etc., tenha ficado intrínseco aos próprios jesuítas? Assim como os nativos, eles acreditavam que era possível as duas vertentes coexistirem e praticavam isso ou era só o que pregavam?

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    1. Boa noite Carlos! Muito obrigado pelas considerações e pela leitura do texto!

      De fato, os missionários ignoravam muitas ordens que vinham da Europa. Primeiro porque por vezes elas demoravam muito a chegar (o que eu acho que não incomodava nem um pouco os missionários na China) e segundo porque as vezes eles não tinham muita escolha. Por exemplo, a Igreja não gostava que missionários fossem intermediários em transações comerciais, mas os jesuítas acabavam fazendo isso, por necessidade, atuando como tradutores ou até mesmo como intermediários diretos.
      Agora, mesmo com os missionários se acomodando culturalmente em relação ao confucionismo, eu não acho que eles esqueciam em momento nenhum que eram cristãos e que tudo que eles faziam ali, todas as "exceções" que permitiam tinham como objetivo salvar aquelas almas e converter a China para Cristo. Todavia, é possível acreditar que vários deles tenham sim, visto no confucionismo uma filosofia moral que fosse de grande utilidade social a tal ponto de interpretarem nela algo que pudesse ser complementado pelo cristianismo sem ser abolido. Não acho que eles tenham virado confucianos, mas acredito que alguns missionários tenham realmente respeitado a filosofia de Confúcio e os valores morais que ele pregava. Espero ter explicado bem a sua dúvida.

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  5. Parabéns pela oportunidade de reflexão sobre esse tema! Você poderia abordar sobre a relação entre os jesuítas e os religiosos budistas durante a missão na China? Desde já, obrigada.

    Michele Aparecida Evangelista

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